«O Roberto é que marcou esta partida. Tirou seis golos, fez grandes defesas, e deu razão àquilo que eu já dizia dele. Mostrou o valor dele, mas não é normal um guarda-redes ter tanta influência no jogo como o Roberto teve»

O elogio de Jorge Jesus sublinha a excelência da exibição do guarda-redes que passou pela Luz, sem glória, na temporada 2010/11. E o técnico do Benfica tem razão, ao dizer que «não é normal» ver uma exibição tão influente de um guarda-redes- mesmo descontando algumas más finalizações de jogadores encarnados. Mas Roberto não está só, nem nas intervenções decisivas, nem nas homenagens que recebeu no final. Aqui ficam alguns exemplos de guarda-redes que levaram colegas, adversários e jornalistas a abrir a boca, de espanto ou desespero, em jogos decisivos.

20 de novembro de 1974
Vítor Damas (Inglaterra-Portugal, 0-0)



Começamos com um clássico: o primeiro empate português em Wembley. Era o arranque da qualificação para o Europeu de 1976, e Portugal sujeitava-se ao massacre de uma seleção inglesa sedenta de vingar, perante o seu público a ausência no Mundial desse ano. Talvez por isso, e pelo histórico cem por cento vitorioso, um artigo de opinião no Daily Mail sugeria aos adeptos que levassem papel e lápis para não perderem a conta aos golos. Foi o pretexto ideal para que o selecionador José Maria Pedroto motivasse as tropas, agrupando-as em redor da área, de onde só raramente saíram. A defesa, liderada por Humberto Coelho, fazia o que podia para suportar a pressão, mas foi a agilidade de Damas, entre os postes, a fazer a diferença e a permitir que, pela primeira vez, uma seleção portuguesa saísse de Londres sem sofrer golos. Nem Portugal nem a Inglaterra foram apurados nesse grupo: quem se ficou a rir foi a Checoslováquia, que dois anos mais tarde acabou por conquistar o título europeu. Com uma ajudinha de Damas, pois claro.

15 de outubro de 1980
Bento, Escócia-Portugal, 0-0

Vão ter de acreditar na nossa palavra quanto a esta, porque não há registo vídeo disponível deste jogo lendário. Mas quem viu nunca poderá esquecer a noite em que Manuel Bento silenciou o Hampden Park com uma das exibições mais espantosas de um guarda-redes português. «Magic Manuel», chamou-lhe a imprensa escocesa do dia seguinte. «Nunca vi nada assim!» desabafou Jock Stein no final de um jogo em que, como era frequente nos anos 70 e 80, a equipa portuguesa se sujeitou a um massacre. «Portugal veio para defender, e defendeu bem. Depois, teve uma boa dose de sorte e um guarda-redes extraordinário», resumiu o técnico da Escócia. A crónica de jogo no «The Herald», de Glasgow, enumera as proezas do guarda-redes luso: defesa perante Dalglish (10 minutos), dupla defesa perante Souness e Robertson (21), milagre perante Dalglish (45) nova dupla proeza perante Dalglish e Gemmill (60) e mais duas, frente a Souness (63) e, outra vez, Kenny Dalglish (75). Cansa só de escrever, mas o cronista do The Herald concluiu a descrição como uma imagem de facilidade: «apanhou-as todas, como flores num jardim».

15 de maio de 2002
Iker Casillas, (Real Madrid-Leverkusen, 2-1)



A cinco dias do seu 21º aniversário, Iker Casillas era um guarda-redes revoltado. Depois de conquistar o título mundial de sub-20, em 1999, estivera por várias vezes às portas da titularidade no Real Madrid. Mas essa época 2001/02 chegava ao fim com a jovem promessa ainda como suplente de César, no jogo em que os merengues tentariam a conquista da Liga dos Campeões. Sem surpresa, Del Bosque apostou no mais experiente César, para a final de Glasgow, mas quando o titular se lesionou, a 25 minutos do fim, Casillas agarrou a oportunidade de uma vida: três defesas consecutivas, em tempo de descontos, quando os alemães carregavam com tudo em busca de um empate fizeram nascer uma lenda. «Viva la madre que te parió!», gritava o eufórico narrador. Casillas deixou o campo em lágrimas, antes de receber o elogio de Del Bosque: «Trabalhou sempre com a mesma dedicação e obsessão, foi um grande profissional». Já o treinador do Leverkusen, Klaus Topmoller, lamentava-se: «Podemos passar a vida a treinar e a planear os jogos, mas há sempre qualquer coisa de especial que acontece e que não se pode prever». Referia-se ao golo monumental de Zidane e, claro, a este minuto mágico em que Casillas se transformou no melhor suplente de sempre.

25 de março de 2004
David Marshall, (Barcelona-Celtic, 0-0)



Não é vulgar que um jovem guarda-redes de 19 anos, estreante na equipa principal, seja homenageado pelo treinador com a frase: «A partir de agora vai ser sempre a descer, mais vale acabares a carreira». Mas o contexto ajuda a perceber: em pleno Nou Camp, recém-saído da equipa de reservas, Marshall teve de substituir o habitual titular, Douglas, suspenso pela UEFA e ajudar a equipa a segurar a vantagem mínima (1-0) trazida de Glasgow. Indiferente ao estatuto do adversário, à dimensão das bancadas e ao peso de nomes como Ronaldinho, Luis Enrique ou Overmars, o ainda teenager foi uma exibição de sonho e segurou o 0-0 que apurou a equipa para os quartos de final da Taça UEFA. Porém, o resto da carreira de Marshall, atual titular do Cardiff, acabou por não desmentir a profecia de Martin O Neill: nunca mais foi tão fácil ser herói.

5 de março de 2008
Manuel Neuer, FC Porto-Schalke, 1-0



«Resta-nos dar os parabéns ao guarda-redes do Schalke, que fez uma exibição tremenda. Não o conhecia, mas fez o jogo da vida dele», dizia um desolado Bosingwa no fim de uma eliminação amarga. O dia em que o futebol português e a Europa assistiram ao lançamento da carreira de um dos melhores guarda-redes dos últimos anos. Depois da vitória por 1-0 sobre o FC Porto, em Gelsenkirchen, na discussão do acesso aos quartos de final da Liga dos Campeões, o Schalke foi submetido a um autêntico massacre por parte da equipa portuguesa, que nem sequer foi atenuado depois da expulsão de Fucile. Uma, duas, dez vezes, Neuer retardou o golo que empataria a eliminatória. Só aos 86 minutos foi batido, por Lisandro, mas nem aí quebrou a resistência: levou o estado de graça para o prolongamento e os penaltis, e acabou por sentenciar a eliminação portista. Desconhecido, nunca mais: três anos depois, em abril de 2011, já de malas feitas para Munique, Neuer receberia outro elogio supremo, assinado por Alex Ferguson, depois de uma exibição miraculosa com o Manchester United: «Em todo o meu tempo como treinador, foi provavelmente a melhor exibição de um guarda-redes contra nós», disse. Palavra de sir Alex.