SLOW MOTION:
«PELADA», de Luke Boughen, Gwendolyn Oxenham, Ryan White e Rebekah Fergusson. Quatro amigos, 25 países, uma bola de futebol. Qualquer desculpa é boa para jogar futebol. No pátio principal de uma prisão boliviana, numa antiga lixeira no Quénia, num quartel de bombeiros em Teerão.
O desiderato é sempre o mesmo: encontrar o prazer através de uma Pelada. As aventuras sucedem-se a um ritmo alucinante. Viagens, encontros, conversas e a bola a saltitar no mais improvável dos sítios.
Os sorrisos e a harmonia só são interrompidos em Jerusalém. A cena é fortíssima. Durante a tarde o campo é ocupado por judeus, à noite joga lá um grupo de árabes. Até ao dia em que se encontram.
«Sentíamos a pressão no ar. Eles odiavam-se», confessa um dos quatro protagonistas do documentário. «Jogaram uns contra os outros, mas aquilo era mais do que futebol. Não houve problemas, apesar da tensão insuportável. Filmámos tudo».
O produto final é notável, arrebatador. A banda sonora arrasta-nos para cada um dos cenários. Somos o menino no Quénia, o presidiário boliviano, o bombeiro iraniano. Adoramos jogar à bola.
PS: «DJANGO UNCHAINED», de Quentin Tarantino. Sou suspeito. Para mim Tarantino é, com David Fincher, o mestre de cerimónias do cinema moderno. O non sense apropriado, a banda sonora imaculada, os diálogos furtivos, as personagens que se agarram a nós. Um triunfo.
VIRAR A PÁGINA:
«À SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS - Nélson Rodrigues». Coletânea de crónicas do mestre brasileiro. Isto, por si só, bastaria para tornar a obra urgentemente obrigatória. É uma raridade. Nélson Rodrigues delicia-nos a cada palavra, a cada frase sentenciada, a cada ideia formulada sobre o jogo.
Uma das minhas passagens favoritas é a definição do complexo de vira-latas, o estado de espírito do povo brasileiro anterior à conquista do primeiro Mundial. Corrosivo, bem humorado, truculento, genial.
E tudo começa assim:
«Corria o ano de 1911. Vejam vocês: 1911! O bigode do kaiser estava, então, em plena vigência; Mata-Hari, com um seio só, ateava paixões e suicídios; e as mulheres, aqui e alhures, usavam umas ancas imensas e intransportáveis.
Aliás, diga-se de passagem: é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de catorze anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil. Convenhamos: grande época! grande época!»
SOUNDCHECK:
«THE REFEREE'S ALPHABET», dos Half Man Half Biscuit. Caros árbitros, hoje penso em vocês e dedico-vos esta música. É para vós. Ouçam a letra com atenção e sorriam. Nem todos passam os dias a amaldiçoar-vos.
PS: «SUN», de Cat Power. A menina de Atlanta está melhor do que nunca. Seis anos depois do álbum The Greatest, aí está a voz quente, os sintetizadores suaves, as melodias de reconciliação. E até há um dueto com Iggy Pop.
«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.
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