É daquelas memórias que nunca desaparecem: final do Euro 2012, em Kiev; estava na relva, como repórter.

Ao minuto 90, reparo em Iker Casillas, guarda-redes e capitão da seleção espanhola. Chama o árbitro – o português Pedro Proença – e, apesar da proximidade geográfica e linguística, atira-lhe em inglês: «ref, ref, respect, respect…» (ou seja, «árbitro, árbitro, respeito, respeito…») e acompanha as palavras com o universal gesto de cruzar as mãos como uma tesoura, cortando a lógica do tempo de um inútil compensação e pedido o fim do jogo. O respeito que pedia era pelo adversário, que estava arrasado, há muitos minutos.

Na verdade, para quê esse tempo de compensação? Se o marcador mostrava 4-0 e o jogo decidido há tanto tempo?

Casillas podia estar ansioso por festejar o título, sim. Mas, na verdade, ganhar não era coisa nova, para ele. Podia esperar mais uns minutos.

«Respect», pedia Casillas, com o pragmatismo de quem sabia habitar noutra realidade, numa dimensão. Se calhar, já tinha vencido a ‘verdadeira’ final, no desempate por penáltis contra Portugal, uns dias antes. Era muito superior à Itália – como agora voltou a ser.

A Espanha de Vicente Del Bosque estava no topo do mundo e tinha acabado de fechar um ciclo: campeã do Mundo e bicampeã da Europa. Singular!

Era diferente, essa Espanha. A base do melhor Barcelona da história com as melhores unidades (espanholas) do Real Madrid. Irrepetível? Provavelmente, sim.

A verdade, porém, é que a Espanha soube reinventar-se.

Pode não ter uma base como a de então, mas tem todo o trabalho de qualidade do futebol de base.

Luis De La Fuente, selecionador espanhol, passou muitos anos à frente das seleções jovens e soube trazer para a formação principal o melhor do trabalho feito antes.

Sucessor de Luis Enrique, herdou dele a largura de horizontes para chamar jogadores de diversas origens, fiel a uma ideia de jogo, sem estar preso à ‘ditadura´ dos grandes clubes.

De la Fuente começou por ganhar uma Liga das Nações e ousou esticar o olhar em busca de novos objetivos. Não receia tomar decisões pouco populares, nem desafiar a lógica com algumas escolhas, por vezes desatando a ferocidade da crítica.

E agora parece mesmo um real candidato ao título, depois de vulgarizar a Itália, campeã em título, que só não repetiu o desaire de Kiev porque Donnarumma esteve brilhante.

Não sei se dá medo, mas esta Espanha impõe respeito.