O guarda-redes Rita tinha razões para maldizer a sua vida. Tantos anos na sombra de Costa Pereira, tantos treinos à espreita de uma oportunidade e agora, que ela finalmente surgira, aquilo. As botas que não paravam de escorregar no gelo. Um golo. Dois. Cinco. Tantos quantas as bolas nos postes no jogo de Lisboa, um mês antes. Na Luz, as cinco bolas ao ferro refletiram um massacre que merecia outra tradução no marcador. Os alemães partiram com o que já seria um bom aresultado, em condições normais. Mas o desenrolar daqueles 90 minutos transformou a derrota por 2-1 num autêntico milagre.

Humberto Fernandes contou a história desta eliminatória em 2006, num depoimento para o livro «Sport Europa e Benfica», do Maisfutebol. «Eles ficaram apavorados e reservaram-nos aquilo para o seundo jogo. Hoje não aconteceria. Chegámos a Dortmnd convencidos de que íamos jogar num campo normal, mas tinha caído um grande nevão, um ou dois dias antes. Os alemães deixaram congelar o relvado em vez de colocar a neve para trás das balizas, como era normal. Quando entrámos o campo era uma pista de gelo e não tivemos hipóteses, porque jogávamos com pitons de dois centímetros. O Rita, que era o nosso guarda-redes, não tinha oportunidade de defender porque os pés fugiam-lhe. O falecido Luciano, na primeira jogada, saltou com um adversário e estatelou-se no chão. Continuou a jogar, muito limitado porque não havia substituições. Naquelas condições nenhuma equipa do mundo ganhava. Só conseguia quem fosse preparado para o que ia enfrentar. É verdade que fomos muito desfalcados: Eusébio, Costa Pereira, Germano e Raul estavam lesionados. Mas não foi por isso que perdemos, foi pelo estado do terreno. O Dortmund estava adaptado, com botas próprias. Lembro-me de que, no final, a Puma nos ofereceu botas iguais às que tinha dado aos alemães antes do encontro».

A eliminação nos oitavos-de-final da Taça dos Campeões Europeus ficou selada com a maior derrota até aí sofrida em jogos europeus. O suficiente para que, pela primeira vez desde os tempos de Guttmann, se falasse de crise na Luz. Ot técnico Lajos Czeizler ficou na linha de foo e acabou por anunciar, com seis meses de antecedência, o abandono no final da temporada. O Benfica pagava o preço da fama, jogava ao domingo e à quarta-feira. Nunca abrandava. Abrandar custava dinheiro. E o Benfica continuou a acelerar.

Onze do Benfica no jogo com o Dortmund, a 4 de Dezembro de 1963: Rita; Cavém e Cruz; Coluna «cap», Luciano e Humberto Fernandes; José Augusto, Santana, Yaúca, Serafim e Simões.