A 6 de novembro de 2009 Paulo Bento deixava o Sporting. «Estive quatro meses a mais», dizia na altura, no fim da passagem de quatro anos por Alvalade. Agora que terminou o seu ciclo na seleção, também ao fim de quatro anos, é impossível não ver pontos de contacto com aquele momento. São situações de contornos necessariamente diferentes, mas com sinais comuns de desgaste.

Paulo Bento deixava Alvalade num momento conturbado ao clube, que tinha passado por um processo eleitoral, marcado pelo célebre «Forever» de José Eduardo Bettencourt, quando o presidente do clube fez depender a sua candidatura da continuidade do treinador. Saiu depois de um arranque de época difícil, com o Sporting no sétimo lugar na Liga, à 9ª jornada, depois de quatro temporadas a terminar no segundo lugar no campeonato.    

Paulo Bento deixou a seleção quatro dias depois de Portugal perder em casa com a Albânia, um dos resultados mais embaraçosos de sempre da equipa nacional, selado com o agitar de lenços brancos nas bancadas de Aveiro. Era o início de um novo ciclo competitivo da seleção, dois meses e meio depois da eliminação no Mundial 2014. Portugal falhou no Brasil e ao afastamento na primeira fase seguiu-se um debate nacional sobre a seleção, a necessidade de renovação e sobre Paulo Bento. 


O selecionador, que tinha renovado em abril com a Federação, prolongado até 2016, continuou, sem colocar em causa a sua posição. Há duas semanas a Federação apresentou as conclusões da análise à prestação de Portugal no Mundial e reforçou o estatuto de Paulo Bento, que colocou a liderar um novo gabinete técnico. Agora chegou o comunicado da rescisão, explicando apenas que foi uma decisão «tomada conjuntamente entre a Direção da FPF e Paulo Bento».

Paulo Bento ainda não falou sobre o assunto. Mas é interessante olhar para o que disse há cinco anos, no dia em que deixou Alvalade. «O ambiente que se criou à volta da minha continuidade, desde uma fase muito precoce da temporada, levou a imaginar que podíamos chegar perto deste ponto, porque eu não tive a capacidade de libertar os jogadores de certas condicionantes que tínhamos, algumas delas internas e outras externas», dizia, além disto: «Continuar não foi a melhor decisão. Não foi só para mim. Não foi a melhor decisão para o Sporting também. Tomei uma decisão mais com o coração do que com a razão e isso normalmente não dá bom resultados.»

Antes de Paulo Bento, também Carlos Queiroz tinha deixado a seleção depois de um processo conturbado, no início de um ciclo competitivo. Conturbado também o processo relativo a António Oliveira, antes de Scolari, que deixou a seleção depois do Euro 2008 para assinar pelo Chelsea. Um padrão? 

O próprio Carlos Queiroz considera que sim. «Todos os selecionadores portugueses que chegaram à seleção pelos méritos e crédito adquiridos no futebol português saíram pela porta pequena e quase sem futuro em termos de futebol», disse, em declarações à Renascença. Toni, treinador com quatro décadas de experiência, fala de pressão associada ao cargo, em declarações ao Maisfutebol. «O cargo de selecionador é assim. Há em todos nós um pouco de selecionador. O Carlos Queiroz saiu da forma como todos vimos, baixa. O Paulo Bento não merecia. Não quero dizer que não merecia no sentido de coitado do Paulo Bento, não merecia até uma determinada altura.»

Foi o jogo com a Albânia que fez a diferença para encerrar o ciclo de um selecionador que levou Portugal a duas fases finais e chegou à meia-final de um Campeonato da Europa? Toni admite que sim, mas também reconhece o desgaste que existia em torno do selecionador.

«Havia uma pressão muito grande por parte dos media pelo resultado daquele jogo com a Albânia, que acabou por precipitar a queda do Paulo Bento», observa: «Mas não é uma grande surpresa, começavam a não estar reunidas as condições para que o Paulo Bento continuasse.»

A constatação não impede Toni de lamentar que o bom trabalho de Bento à frente da Seleção seja agora ignorado. «Nós somos de memória curta, porque quando o Paulo Bento tomou conta da seleção vínhamos de resultados negativos e conseguimos apurar Portugal para o Euro 2012. E conseguimos o apuramento para o Mundial.»

«Como treinador estou solidário com o Paulo Bento em relação ao trabalho que fez na seleção. Há erros no percurso que teve, mas não conheço nenhum treinador que não os cometa», defende Toni: «Cometeu erros de gestão, quer com jogadores que estavam no grupo, quer com jogadores que não estavam.»

Mas os problemas da Seleção vão para lá de Paulo Bento, defende Toni. «As nossas pequenas vitórias têm sido as qualificações. Que têm sido sofridas, o que indica uma perda de qualidade», nota: «Mas é isto que interessa a todos. As questões de fundo ficam para trás, o que interessa é ficar apurado para o Euro. O resto, se temos 18 ou 20 clubes na Liga, se jogam só portugueses, fica para trás.»

«Agora, apesar dessa perda de qualidade, temos jovens que começam a despontar, se acontecer de forma sustentada podem vir a ser jogadores de seleção nacional», prossegue, para dar um exemplo, a reforçar a ideia de que estes processos precisam de tempo: «As gerações de 1989 e 1991 quando é que começaram a dar frutos? Foi em 1996. Depois o Batta tirou-nos do Mundial 98, mas seguiu-se 2002, 2002, 2004, 2006, por aí fora. Falam do nível de desgaste do selecionador, mas não das questões de fundo.»

Para Toni, Portugal perdeu tempo durante anos na formação. O técnico, de 67 anos, aponta um nome no centro desse processo. «Qual foi o interesse maior do senhor Scolari? Centrou as atenções na seleção A. Tudo o que dizia respeito ao edifício da Federação era secundário», aponta, considerando que esse trabalho tem sido retomado e está no bom caminho.

«A nível de formação na Federação penso que há melhorias. Também com as equipas B. Mas há que olhar para várias situações, há questões estruturais», nota, dando um exemplo: «Quando falamos da falta de pontas de lança, quantos pontas de lança portugueses jogam no Benfica, no Sporting ou no Porto?»

Quanto à questão da renovação da Seleção, ou da falta dela, uma das principais críticas feitas a Paulo Bento nos últimos meses, Toni descontrói a ideia. «A bandeira dos media era da renovação. Mas, se frente à Albânia ele tivesse posto o Miguel Veloso e não o William Carvalho, o que é que estaríamos todos a dizer? E no entanto, não foi um bom jogo do William Carvalho. Não meteu o Adrien, meteu o André Gomes, OK. Isto para dizer que essa renovação, para mim, deve ser sustentada, não é pôr 10 novos e o Cristiano Ronaldo. Ela vai fazer-se. Ela foi-se fazendo naturalmente nos últimos anos. Tem de ser feita de jogadores de qualidade. Não é renovar por renovar, é renovar na qualidade, e de forma sustentada com jogadores experientes a acompanhá-la.»

Agora, o que acontecer será liderado por outro treinador. Que pegará na equipa ao segundo jogo da corrida ao Euro 2016, um campeonato que apurará 23 das 53 seleções em prova: os dois primeiros de cada grupo diretamente, o terceiro através de um play-off. É o Europeu mais aberto de sempre, e Toni defende que o apuramento está ao alcance da seleção.

Mas deixa um aviso, em jeito de conselho aos futuros protagonistas dos destinos da seleção: «A seleção vai sofrer um abanão, uma sacudidela. E ela tem que ser positiva, absorvida de forma positiva, com o reconhecimento do que fez Paulo Bento. E lembrando que há uma quota parte de grande responsabilidade de que os jogadores não podem fugir.»