Falo em Barack Obama e Maradona, não pelos pontos de contacto, que serão praticamente nulos, mas pela chama especial que transportam. Dois símbolos de mudança, que têm o poder de transformar o mundo, as nossas vidas, em campos muitos distintos, mas definitivamente importantes.
É a última vez que escrevo antes dos americanos irem às urnas (o dia de eleições nos Estados Unidos é já na próxima terça-feira). Vejo dois documentários recentes e tenho a certeza de que a oportunidade histórica é única, não só pelo arrojo de colocar um negro na Casa Branca, mas principalmente pela diferença do discurso, pela possibilidade de uma abordagem diferente da realidade. Em «Slacker Uprising», o controverso Michael Moore explica o que acontece quando uma nação escolhe George W. Bush, e em «Maradona by Kusturica» sentimos esse mesmo apelo, com a diferença de falarmos de futebol como elemento sociologicamente relevante.
El Pibe é um ser transtornado, marcado pelas feridas de uma guerra interior que quase o aniquilou. Qual ser imortal, sobreviveu para contar a sua história, não tendo qualquer pudor em destilar ódios, apontar críticas e saborear os momentos fantásticos que prevaleceram dentro de campo.
Maradona é «Sex Pistols», Che Guevara, anti-Bush, um anti-social milionário, capaz de promover a histeria colectiva nas ruas de Nápoles e ao mesmo tempo cantar as músicas feitas em sua homenagem. É um «hincha» na Bombonera, um ser genial no «Maracanã» de Belgrado a trocar toques com Kusturica, o genial realizador de «Gato Preto, Gato Branco», apresentado no início do documentário como «Emir, o Maradona do cinema».
Dieguito é o homem que adivinhou o futuro aos sete anos de idade: «Quero ser o melhor, levar a Argentina ao título mundial». O político revolucionário que se recusa usar a mão direita para cumprimentar o Príncipe de Gales, mas que recorre à esquerda para «roubar» os ingleses na final do Mundial.
Nem vou discutir se foi o melhor de sempre: como ele não há nenhum.
Este mesmo Maradó (como cantam Los Piojos) prepara-se para a derradeira loucura de treinar a selecção Argentina, numa altura em que os resultados são desastrosos. Só mesmo num contexto muito próprio de um país em crise, sem soluções prudentes é possível pensar numa solução como esta.
Não existe racionalidade que o justifique e seria fácil apresentar argumentos nesse sentido, mas, provavelmente, é uma escolha como outra qualquer. Vivemos tempos de mudança e talvez a saída esteja mesmo no coração, na paixão e na esperança.
Como diria Obama: «Si se puede».
«Futebolfilia» é um espaço de opinião da autoria de Filipe Caetano, jornalista do IOL, que escreve aqui todas as quartas-feiras
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