Na época passada o avançado foi jogar para o Kavala. «No início correu tudo bem. Era um bom clube, o terceiro ou quarto maior da Grécia. Uma espécie de Leixões que queria regressar à primeira divisão. Um bom clube para jogar e ganhar razoavelmente. Houve jogos em que o presidente nos deu 500 euros de prémio de jogo. Mas chegou Dezembro e deixámos de ter hipóteses de subir. Aí o presidente informou que não nos pagava mais. Então disse-lhe que se a decisão era essa, eu queria ir embora. Disse-me que não deixava porque tinha clubes interessados em contratar-me. Continuei a exigir o meu dinheiro e ameacei que vinha embora se não me pagassem. Determinado dia mandaram assaltar-me o carro para me roubarem os documentos. Assim não podia sair do país. Depois de mês e meio sem dinheiro, nem documentos, decidi deixar Kavala a meio da noite, sem dizer nada a ninguém. Sentia-me inseguro na própria cidade pois algumas pessoas do clube eram perigosas. Tinha de sair de lá.»
Filipe Cândido recorda na perfeição essa noite em que deixou para trás o clube grego: «Apanhei o comboio e durante a noite percorri a distância de 700 quilómetros até Atenas. Às oito da manhã cheguei à embaixada portuguesa e pedi ajuda. Paguei 70 euros, troquei a data do bilhete que tinha de regresso, arranjaram-se autorização para sair da Grécia e segui para Lisboa.»
Na descrição da fuga de Filipe Cândido é impossível transcrever o sentimento com que o avançado viveu na Grécia. «Sei que durante uma semana falavam de mim todos os dias nos jornais de lá. Diziam que estava desaparecido. Mas através do Sindicato de Jogadores em Portugal informámos o sindicato grego e deles depois falaram com o clube», conta.
Jogar com gosto no Vila Meã como no Real Madrid
O avançado saiu em lígio do Kavala e interpôs, de imediato, uma queixa na FIFA. Esta fuga aconteceu em Março de 2007 e 2008 arranca com Filipe Cândido a jogar no Vila Meã, com um certificado provisório. «Depois das experiências que tive chega de emigrar. Ou se emigra para o Real Madrid, como eu fiz aos 17 anos, ou então não compensa ir, para ganhar mais 500 euros. Compreendo que há poucas oportunidades cá e na aflição decidam emigrar, pois os jogadores não têm mais nada que possam fazer. Não é o meu caso porque estou na faculdade e tenho objectivos extra futebol», declara.
Conhecedor da realidade mais escondida dos clubes, Filipe Cândido é directo e sem rodeios fala das mudanças que devem existir: «É um engano o actual momento do nosso futebol. Mais de 60/70 por cento das equipas profissionais têm ordenados em atraso. Deviam treinar à noite para que de dia os jogadores estudassem ou trabalhassem. Como aqui as coisas estão muito mal, os jogadores saem em busca de novas oportunidades. Agora o que está a dar é o Chipre. Estão lá 28/30 portugueses. Eu só voltava a emigrar se fosse por uma coisa muito, muito boa. E tenho espírito aventureiro. Pelo que vivi consigo diferenciar o bom do mau e o conselho que dou a quem pensa emigrar é que leiam muito bem os contratos que fazem. Peçam ajuda ao sindicato, que não custa nada. É só mandar um fax com o contrato antes de o assinarem. Tenham o máximo cuidado.»
Não regressou a Portugal com a conta bancária recheada, mas voltou com o espírito a transbordar de vivências. «Sinto-me realizado pois tentei tudo para ser feliz no que faço. Sou inteligente o suficiente para não viver frustrado. Tenho humildade para saber que se joga com gosto no Real Madrid ou no Vila Meã, mesmo sem tape branca. Eu faço o que gosto e muitas pessoas não fazem. Consigo ser feliz, da minha maneira».
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