A placa assusta os incautos, os que se movem por rituais de esoterismo e superstição. VALE DE AZARES, assim, garbosamente corroída pelo tempo, triste e enferrujada. Engolir em seco e seguir em frente? Ou virar as costas e fugir para bem longe? O Maisfutebol atreve-se a avançar, cuidadosamente alerta, à espera não sabe bem de quê.

O sol queima a pele, fere a vista, escalpeliza o visitante. Mas, que raios, a paisagem é tudo menos nebulosa ou esboçada. Isto é a ditadura do verde, salpicado pelo vermelho incrustado nalgumas camisolas e bandeiras alusivas à Selecção Nacional. Afinal, isto é Portugal. Um Portugal escondido, anacrónico, praticamente hermético.

As profecias alarmistas do nome não se confirmam. Os minutos passam e o Vale de Azares afasta-se do cenário hediondo, grotesco, presumido pelo repórter preconceituoso. O passeio conduz-nos a um grupo de sábios habitantes, licenciados na cultura popular e na escola da vida dura.

A poucos quilómetros, para sul, Carlos Queiroz prepara a presença de Portugal no Mundial. Mas, afinal, a selecção tem razões para não se aproximar deste Vale de Azares? «Isto só fazia bem aos jogadores portugueses. Estes ares são puros e as gentes simpáticas, acolhedoras», diz José Manuel Duarte, antigo presidente da junta local.

«O Queiroz pode meter a malta no autocarro e vir aqui ao lado comer um queijinho. Isto de Azares não tem nada. A terra deseja muita sorte à selecção. Aqui aprecia-se a vida, a conversa com os amigos no café, o copinho diário de vinho tinto.»

Vale de Azares: a origem está na queda de um cavalo

Superstições à parte, o jornalista sugere o óbvio: haverá, com certeza, algum motivo para que a aldeia tenha este nome atemorizador. Antes da resposta, um olhar de esguelha repara no obituário aforístico exibido na montra do Café Guerra. A morte passa por aqui, como passa por todo o lado. Apenas isso.

Depois, a explicação, em jeito de lenda ou mito. Ou então não. «Isto é mesmo verdade. Aconteceu há alguns séculos, não sei quando», assegura o senhor Brás Delgado, 83 anos dedicados ao cultivo da cereja «gorda e docinha».

«Vivia aqui neste vale uma gente nobre, que tinha uma filha. Essa filha estava noiva de um rapaz das cercanias. Perto do casamento, numa noite escura, o noivo veio visitá-la a cavalo», narra, sensato, o cavalheiro.

«Já perto da casa dos nobres, o animal espantou-se de repente e atirou o moço ao chão. Caiu e morreu. A menina viu tudo desde a janela e atirou-se das alturas. Também faleceu. Com isto, a mãe entrou em depressão profunda, enlouqueceu e não resistiu. O pai, homem influente na região, decidiu mudar o nome da terra. Isto deixou de ser Vale de Flores e passou, desde aí, a Vale de Azares.»

Azar? Só para os supersticiosos

É uma ideia que anda no ar, nunca desmentida. Os profissionais de futebol, treinadores e jogadores, são normalmente supersticiosos. Talvez isso afaste a possibilidade de uma visita da Selecção Nacional a esta aldeia encantadora, que até tem um clube de futebol: o GDR Vale de Azares.

Mas fica o conselho. Queiroz e os seus atletas só tinham a ganhar com uma tarde de descontracção nas ruas do Vale de Azares, um lugar especial no Parque Natural da Serra da Estrela.