Já era noite cerrada na Colômbia quando o voo CP-2933 da pequena companhia aérea LaMia desapareceu dos radares na aproximação ao Aeroporto Internacional José Maria Córdova, na cidade de Rio Negro, arredores de Medellín.

Quando chegaram ao local, numa região montanhosa de difícil acesso, as equipas de salvamento depararam-se com um cenário dantesco. Aeronave partida em três e dezenas de corpos já sem vida.

As primeiras contagens apontavam para 25 mortos mas, entre informação e contra-informação, os números galoparam rapidamente para os 75.

A bordo ia quase toda a equipa profissional da Chapecoense, que jogava nesta quarta-feira com os colombianos do Atlético Nacional a 1.ª mão da final da Taça Sul-americana. Com eles seguia uma tripulação de nove pessoas e 20 jornalistas, que iam registar um dos momentos mais importantes da história daquele clube fundado em 1973.

Horas antes da tragédia, o clima era de alegria, com jogadores a partilharem vídeos nas redes sociais.

A onda de choque propagou-se da América até ao resto do Mundo. Em Portugal, os primeiros noticiários da manhã abriram com o avião que se tinha despenhado a cerca de 30 quilómetros do destino pouco depois de a tripulação reportar falhas elétricas e de ter solicitado prioridade na aterragem. Da informação avulsa foram-se gerando teorias, algumas de fontes oficiais, ligadas à aviação civil da Colômbia: uma sugeria que o avião teria ficado sem combustível; outra que o comandante, na inevitabilidade de um acidente, ter-se-ia desfeito dele para evitar que a aeronave se incendiasse assim que se despenhasse.

Em Chapecó, cidade localizada no Estado de Santa Catarina, perto da fronteira com a Argentina e o Paraguai, chorava-se a morte dos «filhos da terra» depois de confirmadas as piores notícias.

No meio da tragédia, havia lugar para uma ou outra boa notícia: quem foi poupado por ter ficado em terra por causa de um passaporte esquecido; e de quem não viajou para não perder o aniversário da filha bebé. Ainda não tinha chegado a hora.

Marcelo Boeck, guarda-redes emprestado pelo Sporting à Chapecoense no início do ano, tinha ficado em terra por não entrar nas opções para a partida. Ele, que na véspera tinha celebrado 32 anos, experimentava agora o lado mais duro da vida. «Está no estádio a ajudar a consolar as famílias dos jogadores», disse a esposa do jogador ao Maisfutebol quando o sol ainda não tinha sequer nascido do lado de lá do Atlântico.

Enquanto à Arena Condá começavam a chegar centenas de pessoas (os portões foram depois abertos), os mortos eram retirados dos destroços do avião, enquanto se esgotava o tempo para encontrar sobreviventes.

E havia seis: três jogadores (os guarda-redes Danilo e Jackson Follmann e Allan Ruschel), um jornalista e dois tripulantes. O primeiro não resistiu aos ferimentos e morreu já no hospital. O segundo teve a perna direita amputada e último ficou com múltiplas fraturas, uma delas na 10.ª vértebra. Mais tarde, as equipas de resgate conseguiram retirar um outro jogador dos destroços com vida: o lateral direito Neto.

Longe do cenário de terror multiplicaram-se as manifestações de pesar pelas famílias dos mortos. Em Portugal, os três grandes reagiram logo de manhã. Em Alcochete Jorge Jesus recordava o treinador da Chapecoense e amigo Caio Júnior, que enquanto jogador passou pelo futebol português entre as décadas de 80 e 90 e com quem o Maisfutebol tinha conversado em março deste ano.

As sessões de treinos dos clubes profissionais encheram-se de semblantes carregados, de minutos de silêncio. O futebol, tantas vezes fonte de discórdia e palco de guerrilhas vazias de sentido, deu as mãos na dor.

No Brasil, a maioria das equipas mudaram as imagens de perfil nas contas das redes sociais, colocando o logótipo da Chapecoense sobre um fundo negro. Mais: uniram-se numa corrente de solidariedade, mostrando-se disponíveis para emprestar jogadores de forma gratuita em 2017 e para que o adversário não possa ser despromovido nos próximos três anos.

Até da Argentina, crónica inimiga do Brasil, surgiram propostas para o apoio à reconstrução da equipa.

E o que dizer do rival Atlético Nacional, que pediu a Taça Sul-americana fosse entregue à equipa brasileira, elogiada depois pelo presidente da CONMEBOL?

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É agora tempo de sarar as feridas profundas. No Brasil, o presidente Michel Temer declarou três dias de luto nacional; a CBF anunciou sete e o cancelamento da final da Taça e da última jornada do Brasileirão, que coroou há dias o Palmeiras campeão com o testemunho da Chapecoense: o último jogo para 19 jogadores de uma equipa que será forçosamente outra daqui para a frente.

Por cá, a Liga declarou um minuto de silêncio nos jogos do primeiro e segundo escalões e da Taça da Liga. Em Espanha, a LaLiga informou que vai fazer o mesmo. O mesmo em Inglaterra, em Itália. Por todo o mundo.

O silêncio pode ser arrepiante.

As operações de buscas terminaram às 15 horas locais, mais cinco em Portugal continental, depois de todos os corpos terem sido recuperados e levados para o hangar do Governo de Antioquia para depois serem reconhecidos por familiares.

O balanço final das operações de buscas foi um murro no estômago gigante, mas menos intenso do que o que chegou a ser projetado ao longo do dia: seis sobreviventes e 71 mortos, menos quatro do que os 75 que foram veiculados ao longo do dia pelas autoridades envolvidas nas operações. As razões por detrás da contabilidade errada? Acabaram por não viajar.

Veja tudo o que o Maisfutebol escreveu ao longo do dia sobre a tragédia