E foi assim que Thierry Henry anunciou que terminam 20 anos (1994-2014) de carreira. O avançado francês fechou um percurso glorioso de duas décadas de futebol. Percurso que levou a glória aos clubes por onde passou. Mas que, especialmente, o consagrou a nível individual como um dos jogadores incontornáveis deste período do futebol.

Agora que o futebol profissional acabou para Henry aos 37 anos, ter disso consciência é recordar de forma instantânea o número 14 do Arsenal disparado em direção à baliza adversária; fosse para marcar golo – na maior parte das vezes – fosse para servir o companheiro de equipa mais bem colocado.

Henry, além de muito mais, foi também isto: goleador, sobretudo, mas ao mesmo tempo jogador de equipa. Goleador de excelência, foi-o desde as jogadas individuais com um toque final de genialidade técnica, até aos fantásticos remates de longe – fosse em jogo corrido, fosse na cobrança de livres.

Foi-o através de uma velocidade estonteante e raramente igualável, com técnica a corresponder, com a versatilidade de quem soube ser extremo declarado e com a mesma competência avançado centro. Foi-o quando se mostrou imparável em tantos «um para um», como da mesma forma desconcertante a iludir o fora de jogo em que os defesas contrários é que acabavam por «regressar à jogada» já tarde de mais...

Foi a personificação do «Va-va-vooom»; que Henry personalizou primeiro em anúncio; e, depois, encarnou em campo.



«Regresso a Londres» e «memórias fantásticas (a maior parte boas)» são expressões do primeiro anúncio deste texto - o que diz «adeus» - que acabam por fazer todo o sentido nesta carreira. Mesmo que não a preencham na totalidade, são muito – tanto – dela. Cinco foram os clubes representados por Henry: Monaco (1994-99), Juventus (1999), Arsenal (1999-2007 e 2012), Barcelona (2007-10) e New York Red Bulls (2010-14). O clube inglês é o mais significativo na carreira do jogador francês – que retribuiu (e de que forma) esta importância – mesmo que os vários títulos ganhos se tenham repartido.

Não será por acaso que Henry tem num clube, por exemplo, a(s) sua(s) melhor(es) época(s) de sempre e com outras camisolas os troféus mais importantes. Não é coincidência a riqueza do seu palmarés tão completo: com o Monaco ganhou a liga francesa; com o Arsenal ganhou a liga inglesa, a Taça de Inglaterra e a Taça da Liga; com o Barcelona venceu a liga espanhola, a Taça do Rei, a Supertaça de Espanha, a Liga dos Campeões, a Supertaça Europeia e o Mundial de Clubes. Com a seleção nacional francesa venceu o Campeonato do Mundo, o Campeonato da Europa e a Taça das Confederações. No plano mais individual, destacam-se as duas Botas de Ouro de melhor marcador dos campeonatos nacionais da Europa.

Estrela ascendente no Monaco campeão de França em 1997, Henry foi um das jovens apostas de Aimé Jacquet para o Mundial que a França organizou no ano seguinte. A equipa do principado juntou a experiência de jogadores como Fabien Barthez ou Emmanuel Petit à juventude de Henry e David Trezeguet. O selecionador francês não desperdiçou essa mistura vitoriosa rumo ao título mundial.

Nos quartos de final do seu Mundial, a França discutiu com a Itália a passagem às «meias. A decisão só se fez no desempate por pontapés da marca de grande penalidade. Jacquet não hesitou em escolher Henry e Trezeguet para a primeira série de cinco. Bastou. Os dois miúdos não vacilaram. Cumpriram e marcaram ao lado de Zidane e Laurent Blanc (falhou Lizarazu no triunfo francês por 4-3).

A estrela em potência Henry ascendia agora a nível internacional. O avançado francês acabou o Mundial 1998 com três golos em cinco jogos – falhou a final porque, quando já aquecia, Desailly foi expulso e a sua entrada em campo foi abortada. Um percalço que faz parte da profissão. Mas apenas um percalço na carreira daquele que se tornou o melhor marcador da seleção de França, com 51 golos (em 123 jogos) – ultrapassando Platini em dez.



No total de 917 jogos feitos nestes 20 anos de carreira, Thierry Henry marcou 411 golos. Duzentos e vinte e oito destes golos foram com a camisola do Arsenal fazendo dele o maior goleador da história do clube londrino (em 258 jogos). Cento e setenta e cinco destes golos foram na liga inglesa dando-lhe o título de melhor marcador estrangeiro de sempre na Premier League.

Os anos do Arsenal foram também os mais vistosos de sempre da carreira de Henry, onde a equipa já treinada por Arséne Wenger foi bicampeã nacional (2001-02 e 2003-04). Uma equipa onde o francês jogou com Robert Pires; Fredrik Ljungberg ou Patrick Vieira, mas, sobretudo, com Dennis Bergkamp, formando uma das melhores e mais eficazes duplas da história do futebol «moderno».

O segundo título, em particular, foi histórico. O Arsenal de Henry e Bergkamp ganhou o título de campeão sem derrotas (com 26 vitórias e 12 empates). Os londrinos, além de «gunners», passaram a ser conhecido como «Os Invencíveis», pois mantiveram-se invictos durante 49 jogos (entre maio de 2003 e outubro de 2004). No ano entre títulos, Henry já tinha estabelecido o recorde de assistências na liga inglesa (20). Ao segundo título da Premier League, o goleador francês ganhou a primeira de duas Botas de Ouro consecutiva. E é para imensos o melhor estrangeiro de sempre que jogou no futebol inglês.



O preâmbulo desta época de sonho foi escrito em San Siro, em Novembro de 2003. O Arsenal tinha perdido 3-0 em Londres com o Inter para a Liga dos Campeões na primeira mão. Na segunda mão, em Itália, conseguiu o milagre. Com dois golos de Henry e mais duas assistências do francês. A equipa inglesa venceu 5-1.



Foi um preâmbulo para a época de sonho, mas apenas um preâmbulo a nível europeu. O sonho europeu de clubes só veio a concretizar-se já com outro emblema ao peito. Thierry Henry conseguiu ganhar a Liga dos Campeões já ao serviço do Barcelona – desse Barcelona de Pep Guardiola que Henry ajudou a criar e que ficou apelidado (pouco mais tarde) de «melhor equipa de sempre».

Henry venceu a Liga dos campeões, mas o Barcelona não era seu como o Arsenal foi. Este já era o Barcelona de Messi. E as carreiras não param no tempo. Como nesta terça-feira o francês nos disse. O argentino chegava ao lugar mais alto do topo. O francês foi descendo degraus. É uma lei da vida a correr. Assim como aconteceu com a grande seleção francesa. E foi ao serviço desta que Thierry Henry teve uma das maiores manchas no seu currículo de avançado goleador e criador de golos.

Depois de uma fase de qualificação para o Mundial 2010 sofrível que obrigou a seleção gaulesa a disputar o play-off com a República da Irlanda, o jogo de todas as decisões terminou da forma mais polémica. Henry foi o protagonista-mor, mas pelas piores razões. Uma assistência a dois tempos com o braço construíram o golo (de Gallas) que levou a França à África do Sul e eliminou de forma escandalosa os irlandeses.



Já o tinha dito Henry: «memórias fantásticas (a maior parte boas)». Mas nem todas. O francês chegou a defender a repetição do jogo – como os irlandeses pediram. Mas só o disse já depois de a FIFA ter confirmado que não havia repetições, que ficava tudo como tinha acabado aquele jogo. Henry não melhorou muito na fotografia. São momentos que também fazem parte.

Fazem parte de um todo, que aqui foi evocado em parte. Que muitos outros também evocaram. Como Gary Lineker: «Parabéns a Thierry Henry por uma carreira verdadeiramente maravilhosa. Um dos maiores futebolistas do nosso tempo.» Ou Ronaldinho Gaúcho.
 


E o comum dos mortais também não deixou de se pronunciar nas redes sociais, porque ele também não consegue esquecer-se.