De Braga a Lisboa, nove horas de distância. 31 de Outubro de 1954. Dia imperecível na história do Sporting arsenalista: idolatria à solta no Minho após a única (!) vitória em casa do Benfica, em 55 tentativas. «E o jogo foi no Estádio Nacional», apresta-se a recordar José Maria Vieira, honorável resistente e sobrevivente de um conjunto imortal.

«Tínhamos uma equipa de fino recorte técnico», esclarece ao Maisfutebol, 82 anos impregnados de uma lucidez invejável. E uma memória fresquíssima. «Repare bem, aquilo não foi por acaso. Vencemos 0-1 lá, mas tínhamos goleado o Benfica 5-0 em Braga na primeira volta. Acabámos o campeonato no quinto lugar.»

O próximo sábado é o farol catalisador da atenção braguista. Zé Maria diz que sim, que está muito bem, embora prefira recordar o passado. O velho capitão tem o único golo do Jamor na ponta da língua.

«Roubei a bola ao José Águas, corri uns valentes metros e fiz um passe para o Batista na esquerda. Ele avançou e cruzou para a área, onde apareceu o Moroni, um argentino, a rematar.»

«Eusébio? Bom era o Jorge Mendonça»

Do outro lado, estupefato, estava Francisco Palmeiro. Talvez por estar mais habituado a ganhar ao Sp. Braga, não se lembra perfeitamente do jogo em questão. «Não me recordo bem, já passaram mais de 50 anos», desculpa-se, sem necessidade.

«Tenho só uma vaga ideia. Mas não tenho dúvida que isso é notícia. O Benfica não perdia em casa com ninguém nessa altura. Era muito raro mesmo. Quanto mais com uma equipa das mais pequenas, por assim dizer. Foi um feito muito grande para eles.»

Foi, com certeza. Um feito único. «As minhas duas mais belas vitórias», exclama José Maria Vieira. «E não havia as mordomias de agora», avisa. Lembra-se das nove horas de distância lá em cima? Não era exagero.

«Partíamos de Braga para o Porto no comboio regional, pela manhãzinha. Chegávamos a Campanhã e apanhávamos o foguete das 14h35 para Santa Apolónia. Não havia estágio, qual estágio? Tínhamos só 12 jogadores no plantel, veja lá.»

Semanas a fio com «uma rotura de 30 centímetros»

As limitações enobreciam o Sp. Braga. Nos relvados e pelados do Portugal salazarista, os minhotos espalhavam «magia». «Todos gostavam de nos ver jogar. Demos festival ao Benfica, eles nem a bola viram. Só não lutámos pelo título porque tive uma lesão gravíssima e joguei limitado nos últimos meses da época.»

«O Braga já naquela altura era uma equipa complicada», concorda Francisco Palmeiro, grande figura desse Benfica dos anos 50. «Aliás, as equipas do norte eram sempre difíceis. F.C. Porto, Sp. Braga, V. Guimarães, Salgueiros... Fora de casa, como tínhamos a viagem, era ainda mais difícil. Em casa não era tanto, mas eram equipas organizadas.»

E a tal lesão do senhor Zé Maria? «Uma rotura muscular de 30 centímetros. O médico injetava-me nos jogos e a dor passava. O músculo é que abria cada vez mais. Até ao dia em que já não andava. Fui operado e fiquei 33 dias na cama do hospital. Pelo Sp. Braga valeu a pena.»