Rogério Ceni, 41 anos a completar em janeiro, já está na história do futebol brasileiro e mundial.

No São Paulo há 23 épocas seguidas (21 como titular da equipa principal), o carismático guarda-redes somou, diante do Ponte Preta (derrota em casa, 1-3, para as meias-finais da Copa Sul-Americana), o jogo
1.116 pelo Tricolor.

O feito igualou a marca de Pelé no Santos. Deste modo, Ceni irá ficar, no encontro com o Botafogo, no próximo domingo à noite, para a jornada 36 do Brasileirão, como o jogador com mais partidas efetuadas por um clube brasileiro e, provavelmente, mundial.

Nos 1.116 jogos já cumpridos pelo conjunto são-paulino, Ceni festejou por 585 vezes o triunfo, tendo conhecido o sabor da derrota em 282 vezes (a última delas com o Ponte Preta). Empates, foram 249.

«A minha dedicação aqui foi 100% em todos os dias. Você conta nos dedos de uma mão os dias que cheguei atrasado, as partidas que fiquei fora. Nunca me acomodei, sempre quis mais. Logicamente, tenho que ver os limites. Que, com 40 anos, são diferentes de quando eu tinha 20. Mas tento fazer sempre o melhor», explicou Ceni após o jogo com o Ponte Preta, que assinalou o igualar do recorde de Pelé, ao site oficial do São Paulo.

Em agosto passado, esteve em Portugal e ajudou a vencer, para o São Paulo, a Eusébio Cup (vitória sobre o Benfica, por 0-2).

Começar em grande e nunca parar

A bela história de Rogério Ceni no São Paulo começou da melhor maneira.

A 25 de junho de 1993, estreava-se como titular da equipa profissional do tricolor, numa partida, na vitória frente ao Tenerife, por 4-1, para o Troféu Santiago de Compostela.

Logo no primeiro jogo, defendeu uma grande penalidade, ajudando o São Paulo a chegar à final da prova, que viria a vencer.

Era o primeiro de perto de sete dezenas de títulos e distinções individuais conquistados por Ceni, pelo São Paulo, nestes 1.116 jogos.

Rapidamente, o seu espírito de liderança se afirmou. No ano seguinte, 1994, estreava-se como capitão no encontro no Mangueirão, em Belém, diante do Paysandu.

Ceni foi crucial na conquista da Libertadores e da Intercontinal 2005 (diante do Liverpool, vitória 1-0, numa das melhores exibições da sua carreira) e ainda dos três títulos brasileiros consecutivos (2006, 2007, 2008).

Além de ter erguido, como capitão, as taças de campeão do mundo e campeão sul-americano, Ceni assinou outras exibições brilhantes, como a 12 de maio de 2004, diante do Rosario Central, da Argentina, para a Libertadores. O São Paulo estava a perder 0-1, conseguiu virar para 2-1, igualando a eliminatória, e, nas grandes penalidades, Ceni converteu a sua em golo e defendeu o penálti marcado pelo guarda-redes Gaona.

O melhor guarda-redes goleador do Mundo

Rogério Ceni é um guarda-redes especial. Para muitos, é mesmo único. Junta carisma, profissionalismo e uma entrega à equipa que até o ajudam a ultrapassar algumas falhas que, por vezes, tem.

Outro aspeto que o distingue é o facto de ser especialista em grandes penalidades. O jeito para bater penálties e livres diretos levou-o a marcar nada menos do que 113 golos pelo São Paulo, em mais de duas décadas como guarda-redes do clube.

Estes números fazem de Rogério Ceni o guarda-redes mais goleador do Mundo. O primeiro golo aconteceu em fevereiro de 1997, diante do União de São João (vitória por 0-2).

O primeiro penálti convertido ao serviço do São Paulo aconteceria dois anos depois, em 1999, num jogo épico frente ao Palmeiras, com empate 4-4, a 18 de abril.

Um ano depois, em Limeira, para o estadual paulista, assinou pela primeira vez dois golos num só jogo, dando o triunfo ao São Paulo no reduto do Inter local (1-2): o primeiro de falta, o segundo de penálti.

Muitos foram os penálties convertidos em golos, mas também muitos já foram também os que falhou...

Veja como Rogério Ceni às vezes falha penálties:




Dá para continuar em 2014?

O futuro de Rogério Ceni é um dos grandes temas do momento no São Paulo.

Com quase 41 anos (completa-os em janeiro), tudo faria indicar que tenha chegado a altura de parar. Nos últimos meses, o guarda-redes disse mais do que uma vez que tenciona terminar a carreira no final deste ano.

Mas pode não ser bem assim. No São Paulo, são várias as vozes que apelam a uma renovação por mais um ano. Uma delas é do próprio Muricy Ramalho, o obreiro da recuperação milagrosa do Tricolor.

Muricy quer muito continuar com Ceni. Mas ainda não sabe se vai ser possível: «Eu estou na dúvida, vocês (jornalistas) estão e ele também. Há um tempo, eu diria que o Rogério não tinha dúvida, mas acontece que ele gosta muito de futebol. O carro dele vem sozinho para cá. O cara passa a ter dúvidas sobre sair desse ambiente que ele vive há anos».

Mais influente que os treinadores?

Ídolo da torcida, influente no balneário, Ceni é sempre um fator a ter em conta para cada treinador que estiver no São Paulo.

Que o diga Ney Franco, o técnico que levou a equipa ao triunfo na Copa Sul-Americana do ano passado, e que foi despedido em julho. Um dos problemas de Ney no Morumbi terá sido o facto de ter criticado Ceni, por considerar que «queimava jogadores como Ganso ou Lúcio».

Na altura, o guarda-redes retaliou dizendo que «se tivesse tanta influência na equipa, Ney não tinha ficado tanto tempo no cargo».

O clima azedou entre os dois e o resto da história é conhecido: quem saiu do clube foi o treinador (hoje no Vitória) e não Rogério Ceni...

Explicações para um caso especial

O que é que torna Rogério Ceni um guarda-redes (e um futebolista) diferente de todos os outros?

Rui Malheiro, especialista em futebol internacional, observa, em declarações à Maisfutebol Total: «Ceni é o futebolista que está a apenas uma partida de se tornar no recordista mundial de jogos por um único clube. E, convenhamos, atendendo às vicissitudes do futebol moderno, será um recorde dificilmente superável». 

«Acima de tudo» acrescenta Rui Malheiro, «a história de Rogério Ceni, o M1to, confunde-se, nas duas últimas décadas, com a do São Paulo Futebol Clube, o que lhe permitiu conhecer a glória a nível estadual, nacional, continental e mundial, assim como lhe garantiu o estatuto de maior símbolo da história do Tricolor, acima de futebolistas incríveis como Canhoteiro, Leônidas da Silva, Zizinho, Friedenreich ou Raí. Entre títulos, troféus e prémios individuais, Rogério Ceni arrecadou praticamente setenta distinções, juntando um sem número de recordes, entre os quais se destaca o de ser o guarda-redes que mais golos anotou na história do futebol mundial: 113. Mais uma vez, um registo muito difícil de superar. É uma espécie de conto de fadas para o menino que nasceu no interior do Paraná, cresceu no Mato Grosso e tornou-se homem em São Paulo: primeiro, como Rogério, a sombra de Zetti, a sua grande referência; depois, como Rogério Ceni, o Patrão, por seis vezes considerado o melhor guarda-redes do Brasileirão.»

Rui Malheiro recorda que «tudo apontava para que finalizasse a carreira no último jogo do Brasileirão2013». Para o analista de futebol, o abandono no final do ano «continua a parecer-me a decisão mais sensata, até porque os tempos em que era intocável já passaram e tem sido alvo de várias críticas de jornalistas e analistas, como também um alvo de piadas dos adeptos dos clubes rivais. Aliás, até revelou, em algumas entrevistas, que Denis, o seu habitual suplente, está plenamente preparado para assumir a titularidade na próxima temporada.»

No entanto, Malheiro não afasta a possibilidade de Ceni continuar em 2014: «Como é um símbolo do clube, tem-se assistido a alguma pressão dos adeptos e dos dirigentes para que continue. Mas o regresso de Muricy Ramalho, técnico que lhe permitiu realizar o sonho de ser tricampeão brasileiro, ao Tricolor, tem sido o fator de maior pressão em favor da sua continuidade por mais uma temporada. Muricy considerou que Ceni atravessa a melhor fase da sua carreira, o que, mesmo não correspondendo à verdade, poderá contribuir para uma inversão da situação. Rogério Ceni tem optado, nas últimas semanas, pelo silêncio ou por respostas evasivas. Compreende-se o tabu: a época foi extremamente sinuosa, o seu nível exibicional foi muito irregular e, prestes a completar 41 anos, quererá despedir-se como herói.»