Um simples olhar. O alemão Rudolf Kreitlein sentiu-se ameaçado e deu ordem de expulsão. Gerou-se a confusão poucos minutos antes do intervalo. Antonio Rattin, descrito como um gentleman fora dos campos, recusou-se a deixar o relvado de Wembley perante uma multidão histérica, que assistia aos quartos-de-final do Campeonato do Mundo de 1966. Alf Ramsey, seleccionador da Inglaterra, recusou que os seus jogadores trocassem camisolas com os argentinos no final do encontro. Aos microfones, catalogou os futebolistas adversários de «animais». Palavra que foi manchete de jornais.
Rattin é uma das figuras do futebol e dos Campeonatos do Mundo. O seu protesto perante a decisão do árbitro traduz o primeiro incidente nos relvados entre os dois países, rivais historicamente devido ao arquipélago das Malvinas desde o século XVIII e que desencadeou uma guerra pela posse do território em 1982. O capitão argentino demorou dez minutos a sair do campo. Antes, o inglês Ken Aston, supervisor dos árbitros tentou persuadi-lo a abandonar o relvado. Mas isso só piorou a situação, já que convenceu os sul-americanos de que alemães e britânicos tinham unido forças para eliminar o seu país da competição. Rattin sentou-se perto da linha lateral e terá tropeçado no tapete real, aí colocado para abrir passagem à rainha, antes de ser escoltado pela polícia até aos balneários.
Ramsey não se conteve. As suas declarações no final do encontro, que terminou com a vitória dos ingleses por 1-0 (golo do habitual suplente e futura estrela Geoff Hurst), foram lidas pelo povo argentino como racistas. O encontro tinha sido violento, com muitas entradas duras dos argentinos, mas, afinal, expulsar um jogador apenas pelo seu olhar, como admitiria depois o árbitro, não parecia justificação suficiente. Mais violento seria ainda o jogo depois do incidente.
A rivalidade entre os dois países teve o seu apogeu vinte anos depois no México, com Maradona a usar a mão primeiro e depois toda a sua classe, ao passar por metade da equipa britânica, para derrotar a Inglaterra. Na sua autobiografia, «El Pibe» resumiria assim esse sentimento de desprezo por aquele mesmo adversário: «Às vezes acho que prefiro o meu golo com a mão. Porquê? Porque foi um pouco como roubar a carteira aos ingleses».
Colónia inglesa
A Argentina fez parte do Império Britânico. Ingleses partiram de Southampton para fazer riqueza em gado e trigo. Foram os britânicos que construíram as primeiras linhas de caminho-de-ferro e introduziram o futebol no país das Pampas. Juan Péron, primeiro presidente da Argentina independente, assumiu o desprezo pela antiga metrópole aquando da primeira vitória no futebol, em 1953: «Nacionalizámos os caminhos-de-ferro e agora nacionalizámos o futebol».
Os responsáveis da FIFA foram obrigados a deixar as bancadas, em 1966, quando toda a equipa argentina rodeava o árbitro alemão em protesto, no final da partida. Para a História, ficou o cartão vermelho e as declarações de Ramsey, que lhe valeram um aviso por parte da FIFA: «O nosso melhor futebol surgirá contra o adversário certo. Uma equipa que jogará futebol e não reagirá como animais.» O organismo foi bem mais severo para com os argentinos: «Eles levaram o jogo à ruptura pelo desrespeito pela disciplina e ordem».
Hurst, o herói do jogo, comentou outros incidentes após o apito final. «Queriam lutar e atiraram uma cadeira para dentro dos nossos balneários. O Jack [Charlton] gritou: ¿Deixem-nos entrar, deixem-nos entrar. Luto com eles todos¿», revelou o avançado.
Antonio Rattin colocaria um ponto final na carreira quatro anos depois. Ídolo na Argentina e no Boca Juniors, homenagearam-no num encontro entre esta última equipa e uma selecção do resto da América. Foi depois relações públicas e coordenador técnico do Boca. Só mesmo em Inglaterra não deixou boas recordações!