Faz sentido proibir expressões racistas ou discriminatórias nos estádios de futebol, mesmo que elas partam das próprias vítimas do abuso? Os adeptos do Tottenham desafiaram a polícia e levaram a questão para as bancadas de White Hart Lane neste domingo, na derrota no dérbi com o West Ham. Um deles foi mesmo detido, alimentando o debate em Inglaterra.

O que fizeram eles? Cantaram a palavra «Yid» e gritaram «Nós cantamos o que quisermos», depois de as autoridades terem avisado que quem o fizesse seria preso.

Yid é um termo de calão para designar um judeu, frequentemente aplicado com sentido depreciativo. Tem sido usado por adversários do Tottenham, numa polémica que teve o ponto alto precisamente no jogo com o West Ham da época passada. Nessa altura, os adeptos do West Ham não só recorreram ao termo Yid como imitaram o barulho do gás utilizado nas câmaras nazis durante a II Guerra Mundial, acompanhado pelo cântico «Adolf Hitler vem buscar-vos.»

Os fãs do Tottenham respondem à letra, literalmente. Reclamam para si a expressão Yid, intitulando-se Yid Army, e defendem-na como uma expressão de orgulho nas suas origens. O Tottenham é desde há muito associado à comunidade judaica do norte de Londres, onde tem fortes raízes.

A questão é se têm direito a usar uma expressão racista, mesmo que não pretendam dar-lhe esse sentido. O debate já chegou longe. O próprio primeiro-ministro David Cameron se intrometeu na conversa, para tomar posição a favor dos adeptos londrinos. «Há uma diferença entre os adeptos dos Spurs descreverem-se a si próprios como Yids e alguém chamar-lhes Yid como um insulto. É preciso ter o ódio como motivação. O discurso de ódio deve ser sancionado, mas só quando é motivado por ódio», disse Cameron ao jornal «Jewish Chronicle».

André Villas-Boas, o treinador do Tottenham, tem evitado envolver-se muito nesta polémica, mas saudou as palavras de Cameron. «Foi o que os adeptos queriam ouvir. Os nossos adeptos cantam-no com orgulho, é algo que eles defendem, não o cantam como uma ofensa. Não vejo problema», afirmou o treinador português.

Mas a expressão é entendida como racista, independentemente de quem a diz, defendem as autoridades britânicas, que na semana passada já tinham avisado que quem gritasse «Yid» no dérbi seria preso.

Pois bem, eles fizeram-no, antes do jogo e também durante a partida. E a polícia deteve mesmo um homem de 51 anos por causa disso, que foi libertado sob fiança na segunda-feira e será ouvido em tribunal em novembro.

Quem parecia ter evitado confusões foram os fãs do West Ham. Porém, nesta terça-feira, surgiram imagens de algumas atitudes provocatórias dos adeptos do Hammers, antes do jogo. Pode ver o vídeo no final deste artigo.

Este é um tema antigo que vem de vez em quando à baila. Mas não é omnipresente no Tottenham, apesar de desde há muitos anos o clube ter mesmo um presidente com origens judaicas, Daniel Levy. Pedro Mendes, o antigo médio que rumou ao Tottenham em 2004/05, depois de ter sido campeão europeu com o FC Porto, conta ao Maisfutebol que a questão judaica não era assunto no seu tempo, entre jogadores ou na equipa. «Nunca foi abordado, nunca foi tema de conversa», diz Pedro Mendes, já retirado depois de ter acabado a carreira no V. Guimarães.

Pedro Mendes acha natural que este tipo de situações ganhe outra dimensão num dérbi. «O Tottenham e o West Ham são dois clubes muito próximos, do norte de Londres, há grande rivalidade. Mas também há entre o Tottenham e o Arsenal», nota.

E também nota que, ao contrário dos outros países onde jogou futebol, em Inglaterra a participação dos adeptos nas bancadas é forte e generalizada. Há um nível muito grande de compromisso dos adeptos, pelo que estas picardias têm outra expressão. «A grande diferença é que não há claques organizadas, como cá. Quando puxam, puxam todos os adeptos, toda a gente canta», observa: «Isso é que dá aquele efeito fantástico de que todos nós gostamos.»

Por outro lado, talvez esta polémica também tenha a ver com o facto de nesta altura o que diz respeito ao Tottenham ter mais impacto, com o clube lá em cima, na luta pela Premier League. Há 10 anos, praticamente, a dimensão do clube ainda não era esta. Pedro Mendes: «Era muito diferente na minha altura. Nós acabámos em oitavo, mas esta é uma equipa muito forte. O André está a fazer um grande trabalho, teve um arranque de época fantástico.»

E, terminando a falar de futebol, já estará o Tottenham preparado para o título? «A questão da Premier League, e que qualquer equipa pode ganhar em qualquer campo. Vimos agora, o Tottenham tinha uma oportunidade excelente de ganhar pontos, e perdeu em casa por 0-3 com o West Ham. E na luta pelo título há muita concorrência forte. Até o próprio Liverpool, que nos últimos anos tem estado mais abaixo e agora está lá por cima.»

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