O F.C. Porto foi a jogo em Paços de Ferreira e podia ter perdido tudo, em noventa minutos de emoções extremas nos palcos do futebol nacional. Perdeu apenas dois pontos, os últimos possíveis, um mal menor quando esteve quase uma hora fora do seu habitat natural, a liderança da Liga 2006/07. Com um golo para cada lado, dragões e pacenses conservaram a independência na perspectiva da glória.
Os campeões nacionais querem encher o Estádio do Dragão para selar a reconquista do título com uma vitória frente ao D. Aves, enquanto a equipa de José Mota continua em vantagem na luta pelo último lugar de acesso às competições europeias. Houve um descontrolo anormal nos índices de ansiedade, um temor pela reduzida margem de erro de parte a parte, mas o desenlace final permite esquecer o que se foi passando nos restantes relvados lusos, numa conjugação de jogos capaz de provocar arritmias cardíacas.
Jesualdo Ferreira recuperou o seu onze base e o 4x3x3 que viria a encaixar drasticamente na estratégia pacense. A explicação para o dilúvio inicial começa aí mesmo, na incapacidade dos dragões em alterarem o seu fio de jogo para contornarem a muralha táctica erguida na Mata Real. Deambulações pelos flancos, fogachos insuficientes de criatividade para a dupla formada por Quaresma e Anderson, mas tudo o mais esvaziava-se de sentido perante a coesão pacense.
O pé esquerdo de Antunes nunca mereceu tantos elogios, entre Paços de Ferreira e Coimbra, quando levou a bola a bater nas pernas de Quaresma para bater Helton. O esforço de dez meses, a ligação umbilical ao primeiro lugar que se arrastava desde a jornada inaugural, parecia cair por terra em 21 minutos de jogo na Capital do Móvel. Nunca a distância entre o céu e o inferno foi tão curta.
Na ressaca do pesadelo, que já contemplava uma vantagem do Sporting no reduto da Académica, o treinador do F.C. Porto decidiu partir o jogo em busca da tranquilidade perdida, mas o caminho foi longo, penoso, até. Durante quase uma hora, o líder deixara de o ser e temia conviver com uma posição estranha, o segundo lugar, durante pelo menos uma semana. De cada vez que se ouviu aquela batida seca, de cada vez que os ferros da baliza pacense rebateram os esforços portistas, milhares de corações sangraram.
A pressão tornara-se insustentável, no rectângulo de jogo da Mata Real, para os dois lados. O P. Ferreira ia quebrando a resistência, cedendo progressivamente ao sufoco portista, também ele capaz de esvaziar o balão de ar da própria equipa de Jesualdo Ferreira. À força, porque a arte ia faltando, o F.C. Porto recuperou o seu estatuto. À entrada para a fase crítica (76m), um lance confuso terminou nas pernas de Adriano que, mesmo involuntariamente, cumpriu o seu papel de matador.
A mobília pacense inchava com a água que ia caindo na zona do estádio e apresentava fissuras que os dragões procuraram aproveitar de novo, para tornar completa a reviravolta. O que se viu, nesses minutos, foi um exemplo da globalidade portista na electrizante noite de sábado. Esforço, dedicação por uma causa, nem sempre com a qualidade condizente com os seus intérpretes. Empate que se aceita, mantendo o F.C. Porto com liberdade para festejar o título do Dragão e o P. Ferreira com independência para garantir a inédita participação europeia.