Vou confessar: tenho uma imensa admiração por Paulo Futre.
Venderam-me a ideia de um homem à parte dos demais. Comprei-a gratuitamente e tenho a dizer que, a nível de ideias adquiridas, foi dos melhores negócios que fiz na minha vida. Era tão verdade que ainda hoje é algo que também costumo dizer. Está um degrau acima. Paulo Futre é como o Carnaval: ninguém leva a mal.
Alguns são capazes de lembrar que também ninguém leva a sério, mas eu opto pela primeira premissa. No campo, Futre era um craque de dimensão planetária, que as lesões e o tempo exagerado passado do Atlético Madrid, impediram de brilhar ainda mais. Fora dele, é um tratado. O maior.
Fala com certezas. Sem rodeios. E com aquela musiquinha própria de quem esteve muitos anos em Espanha, terminando todas as frases com «não é?». É, Futre. É.
Quando Futre fala soa sempre a alguém a imitar Futre a falar. O que me faz sorrir. Conta as mesmas histórias vezes sem conta e tem sempre piada.
E a somar a isto, ainda terminou a carreira duas vezes. Fez um anúncio, com pompa e circunstância, com chuteiras na mão e sorriso no rosto. Deixou de jogar. Baldou-se ao que tinha anunciado, voltou aos relvados e jogou mais um pouco. Parou outra vez.
Num país em que virou moda não anunciar o final de carreira, Futre tinha mesmo de ser um caso à parte: despediu-se duas vezes. À campeão.
A verdade é uma, porém: é cada vez mais raro o jogador que assume que pendurou as chuteiras. Paulo Bento ou Domingos Paciência fizeram-no com conferência de imprensa à altura da história que construíram. Deco até organizou um jogo. Maniche, Hugo Viana ou Nuno Assis fizeram-no em mensagens mais discretas.
De resto, sou capaz de adivinhar que Jorge Andrade já deixou os relvados, pela forma como se rendeu a outros prazeres. Que Costinha fez o mesmo, pelas funções que já assumiu desde então. Como Petit. Ou que Fernando Meira, Hugo Leal e César Peixoto, que, é certo, anunciaram ponderar o final, já o terão decidido. Ou então estão a ser medidos todos os detalhes.
Em maio de 2015, Simão Sabrosa estava à espera de um projeto. Chegou e chama-se Sport TV.
E, já agora, Raul Meireles, ainda joga? E Bosingwa?
Foi, aliás, o antigo lateral do FC Porto, sem clube desde o final da época passada, que me fez recordar este tema. Na mesma semana em que concedeu uma entrevista que me fez pensar ‘olha, deve ter acabado a carreira’ foi associado ao Barcelona por um jornal espanhol. Passaram horas entre um ‘se calhar já não joga’ a um ‘até pode jogar num dos melhores clubes do mundo’.
No meio desta confusão, lá está, não consigo deixar de pensar, então, em Paulo Futre. Entre o tabu que se instalou, a confusão que obriga a adivinhar intenções e o ninguém assumir nada, haja alguém que seja sempre puro e direto ao assunto.
Se uns nos deixam a tentar medir ausências para perceber se chegou o fim, é sempre bom lembrar quem colocou tudo em pratos limpos, os pontos nos is, os traços nos tês e anunciou ao mundo que acabou.
Duas vezes.
Talvez para equilibrar.
«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.