Lado B é uma rubrica que apresenta a história de jogadores de futebol desde a infância até ao profissionalismo, com especial foco em episódios de superação, de desafio de probabilidades. Descubra esses percursos árduos, com regularidade, no Maisfutebol:

Nelson Haedo Valdez está de volta aos grandes palcos. Aos 30 anos, nova vida para o Coração de Leão. O avançado paraguaio tem uma das histórias mais fascinantes no mundo do futebol atual e o seu percurso merece ser destacado na rubrica Lado B.

Em janeiro de 2014, o Olympiakos perdeu o goleador Mitroglou para o Fulham e decidiu conceder a Nelson Valdez nova oportunidade para jogar no futebol europeu. O jogador chegou por empréstimo do Al Jazira SC, dos Emirados Árabes Unidos.

Ao segundo encontro como suplente utilizado, frente ao Platanias (4-2), o internacional paraguaio marcou o seu primeiro golo. Na passada terça-feira, regressou à Liga dos Campeões e saltou do banco nos minutos finais da sensacional vitória frente ao Manchester United (2-0).

Prémio merecido para o miúdo que cresceu no meio da pobreza em San Joaquin, bebia cerveja com 12/13 anos e passou largos meses a dormir debaixo de uma bancada, numa cama improvisada, para alimentar o sonho de ser jogador profissional de futebol.

Esta história começa a 28 de novembro de 1983. Nelson Antonio Haedo Valdez nasce no seio de uma família com recursos limitados, numa zona fragilizada do Paraguai.

As ruas de San Joaquin pouco ou nada tinham para oferecer. O jovem Nelson acreditava que o futebol podia ser a sua saída. Pedia ao pai para o chamar às cinco da manhã e ia correr. Corria um pouco, corria muito, corria ainda mais. Regressava a casa, fazia o pequeno-almoço e ia para a escola.

«Lembro-me que alguns gozavam comigo, perguntavam o que andava eu a fazer a correr pela rua às cinco da manhã. Mas essa gente que me criticava agora pede-me autógrafos», lembra o avançado.

Nelson não era, de qualquer forma, imune às tentações que o rodeavam. Naquele meio, o tédio e a miséria levavam ao consumo de álcool. «Um dia, tinha eu 12 ou 13 anos, o meu pai apanhou-me a beber cerveja. Perguntou-me o que estava a fazer. Depois, não disse mais nada e virou costas. Fui para casa, tomei um banho frio e prometi ao meu pai que ia lutar para ser alguém na vida, para o deixar orgulhoso.»

O jovem paraguaio ia acumulando promessas e teria de fazer o possível e o impossível para as cumprir. Em 1998, viu a mãe chorar quando o Paraguai foi afastado do Mundial pela França. Golo de Laurent Blanc no prolongamento.

«Tinha 14 anos e ao ver a minha mãe, que gosta muito de futebol, a chorar, disse-lhe que um dia eu ia vestir a camisola do Paraguai e marcar um golo num Mundial». Disputou dois Campeonatos do Mundo (2006 e 2010) mas nunca festejou o tal golo.



Nelson Haedo Valdez sabia que o futuro, aquele que desejava, não passaria por San Joaquin. No ano seguinte, deixou um modesto clube da zona (1º de Maio) e partiu sozinho para a capital do Paraguai. A mãe não queria, o pai deu-lhe força e desejou-lhe boa sorte.

As portas abriram-se no Atlético Tembetary, emblema de Ypané que disputava o segundo escalão. Porém, sem recursos financeiros para mais, o adolescente teve de dormir debaixo de uma bancada do estádio. «E não era um estádio como o Camp Nou, era uma bancada pequena. As condições eram más mas tive de aguentar. No início éramos quatro jogadores. Treinávamos durante o dia e dormíamos por lá à noite.»

«Lembro-me que o meu pai ligava-me a perguntar se estava tudo bem, se precisava de alguma coisa, e eu dizia-lhe que não, que estava tudo bem. Os outros miúdos acabaram por desistir, só fiquei eu. Essa experiência fez-me dar ainda mais valor ao que tenho hoje.»

Em 2001, Nelson Valdez jogava na equipa principal do Atletico Tembetary e despertou a atenção de Jurgen Born. O dirigente do Werder Bremen costumava ir à América Latina devido às suas funções no Deutsche Bank e deparou-se com «um louco que não parava de correr nos jogos.»

Born colocou o avançado, então com 18 anos, a bordo de um avião rumo à Alemanha. Porém, o paraguaio sentiu mais uma dificuldade. Ninguém o conhecia por lá e o primeiro período de teste não correu da melhor forma. Nessa altura, valeu-lhe a mulher do presidente do clube, igualmente paraguaia, a interceder em seu favor.

Novo teste e quatro golos num jogo-treino a garantir um contrato com o Werder Bremen. Nelson Valden começou pela equipa secundária do clube alemão mas seria apenas uma questão de tempo até à afirmação plena na Bundesliga.

Nelson Haedo Valdez jogou no Werder Bremen, Borussia Dortmund, Hércules, Rubin Kazan, Valência e Al Jazira. Pelo meio, disputou os Mundiais de 2006 e 2010, como prometera à mãe. Faltou apenas o golo. Em 2014, volta a aparecer no futebol europeu. Nunca parou de correr e lutar pelo seu futuro.

O paraguaio, atualmente com 30 anos, mantém uma ligação forte com a terra natal e procura retribuir o carinho através da sua fundação. No natal, costuma entregar presentes a mais de um milhão de crianças de San Joaquin. Afinal, já foi como elas.