José Mota chamou a atenção, Maisfutebol confirmou os números e foi perguntar a alguns treinadores o que pensam sobre o facto de estar a ser tão provável ganhar em casa como fora. Neste texto pode ler a opinião de Paulo Fonseca, Leonardo Jardim, Jorge Jesus e Sérgio Conceição. Conversámos também com Jorge Castelo, doutorado em futebol e um dos formadores nos últimos cursos UEFA Pro, no Verão passado. Pergunta de partida: isto é para durar ou apenas uma tendência passageira?

Antes de tudo os factos. Nas primeiras seis jornadas, tudo somado, a percentagem de vitórias em casa, na Liga 2013/14, é de 40 por cento, contra 38 dos visitantes.

Leonardo Jardim olha para os números mas não desarma: «Neste campeonato, como nos outros, jogar em casa é sempre bom». Este é o ponto de partida para o treinador do Sporting, que depois distingue entre estilos. «Há equipas com um estilo de jogo mais apropriado para atuar fora de casa, funcionam bem em transições, com jogadores rápidos, o que lhes permite baixar o bloco e depois surpreender os adversários».

Baixar o bloco significa, traduzido do futebolês moderno, defender pela grande área, não sair muito de perto da própria baliza. No fundo, é por ali que os adversários têm de passar para fazer golos. Fora de casa existe legitimidade para ficar mais tempo atrás e procurar depois explorar o espaço que o adversário deixa.

Paulo Fonseca lembra que «no futebol o mais difícil é jogar em ataque organizado». Por isso, a maneira como se encaram os jogos em casa e fora «é muitas vezes diferente». Não será propriamente o caso do FC Porto, mas é seguramente verdade para a generalidade dos emblemas da Liga. «Quando se joga fora espera-se que a outra equipa assuma o jogo», diz. O convite ao ataque é muitas vezes um presente envenenado. O que o visitante quer é explorar o espaço que aparece.

Leonardo Jardim olha para o Vitória de Setúbal e vê uma equipa assim, capaz de defender perto da sua área e sair em velocidade. Daí, lembra, já ter «quatro pontos fora de casa». No fundo, lembra o treinador do Sporting, um adversário montado para jogar longe de casa. «Um pouco como o Rio Ave…», assume. «Temos de ter cuidado», conclui.

Na Luz, Jorge Jesus recebeu a pergunta e preferiu projetar o que aí vem. Para o treinador «encarnado» este campeonato será diferente do anterior, onde FC Porto e Benfica raramente perderam pontos. «Posso enganar-me, mas nesta altura acho que será distinto», sublinha. O campeão para já deixou dois pontos no Estoril, o Benfica empatou em casa com o Belenenses, sofreu para vencer o Gil Vicente e caiu na Madeira, além do empate no dérbi. De facto, menos vitórias do que era habitual.

Jesus coloca a justificação para esta alteração no valor dos adversários, mais do que na fragilidade de FC Porto e Benfica.

Por último Sérgio Conceição, treinador de um clube que anda pelos fundos da tabela nesta fase da prova. «Não tem sido fácil para as equipas que jogam em casa, e estou a lembrar-me da última jornada, em que só o F.C. Porto ganhou. As equipas hoje vêm preocupadas, e é normal, com aquilo que é o seu processo defensivo, um bloco mais baixo», confessa o treinador. Para desmontar este tipo de organização torna-se necessário ter «uma grande dinâmica, uma grande mobilidade dos jogadores», ou seja, «mudanças de velocidade», além de «agressividade ofensiva». Só assim se consegue desequilibrar o adversário. Quando se consegue.

Os números do problema

Jorge Castelo, treinador e diretor do Centro de Estudos de Futebol da Universidade Lusófona, traz números para o problema.

«Analisámos os números dos campeonatos português, italiano, espanhol e inglês, há duas épocas, e concluímos que, em regra, as vitórias em casa rondam os 50 por cento, os empates são 20 por cento e as vitórias fora ficam-se pelos 30 por cento». Números redondos, é isto. No caso da Liga portuguesa a percentagem de vitórias em casa baixava para 45 por cento. A mais baixa da amostra. Em Espanha ganha-se mais vezes em casa, 53 por cento.

Este estudo é uma perspectiva do momento, apenas uma época. Para definir tendências são precisos mais anos, mas Jorge Castelo arrisca que «o factor casa já não tem tanta primazia como no passado». E encontra justificações para isso. «Já não existe a vertente psicológica, jogar fora não causa temor; as distâncias são curtas, as viagens não provocam cansaço; as bolas são todas iguais, o que não sucedia no passado; os campos têm dimensões normalizadas, pode-se treinar sempre padrões que depois são colocados em ação independentemente do estádio onde se joga».

O conhecimento também joga um papel nisto tudo. Jorge Castelo foi o principal formador nos dois últimos cursos FIFA e trabalhou de perto com cinco dos atuais treinadores da Liga (Paulo Fonseca, Marco Silva, Nuno Espírito Santo, Pedro Emanuel e Sérgio Conceição), mais alguns dos adjuntos. E de uma coisa tem a certeza. «É extraordinário como hoje os treinadores são mais interessados em adquirir conhecimento e chegar ao saber tornou-se um processo mais democrático», salienta. Isto não significa, diz, que todos façam o mesmo, mas as perspectivas do treino não mudam muito e «as campainhas para chegar à vitória tocam todas de forma muito semelhante», refere.

Na prática, isto significa que se treina «cada vez melhor» o modelo de jogo e a dimensão estratégica, o «como vamos ganhar àquela equipa». Quando analisa os jogos da Liga não se espanta por encontrar equipas muito semelhantes, com ideias parecidas. O tal «bloco baixo e transições rápidas» que faz parte da moda do futebol atual. «Do quarto classificado até ao fundo da tabela arriscaria dizer que todas as equipas jogam preferencialmente dessa forma», diz.

Um aspeto essencial é que, em Portugal como no Mundo, muitas vezes as equipas atacam pensando em como como vão defender a seguir. E defendem com a perspetiva das transições (o contra-ataque ou o contragolpe de Jesus, se preferir uma expressão diferente). No fundo, aproveitar o momento em que o adversário se desmonta, se desorganiza e fazer-lhe mal.

As partidas são quase sempre resolvidas «por pequenas coisas» e os estudos sobre resultados, formas de jogar e tendências intensificaram-se nas últimas épocas. Nunca se analisou tanto, nunca se soube tanto sobre jogos, equipas e jogadores. Jorge Castelo chama a atenção para um aspeto. «Grande percentagem dos golos acontece na zona central da área, cerca de 90 por cento é por ali». Este dado motivou alterações de comportamento na forma de defender. «As equipas colocam muita gente nessa área, algumas atuam hoje com dois médios, mais dois centrais». Ou seja, pelo menos quatro dos dez jogadores de campo estão nesse corredor, não muito longe da baliza. «Em outros tempos, quando um lateral era batido víamos muitas vezes aparecer o central a dobrar, mas hoje isso praticamente acabou». Lá está, defender o centro é o mais importante. «O central fica, as equipas esperam que apareça o ala a ajudar ou, no limite, um dos médios», conclui.

Castelo traz mais um detalhe. «Os golos de bola parada rondam os 35 a 45 por cento, mas começam a aparecer golos, e sobretudo oportunidades flagrantes, marcados a partir do rápido aproveitamento do espaço que uma bola parada contra permite». Os números ainda são baixos, mas o treinador aposta que poderão aumentar. Afinal, esse é por excelência o momento de desorganização máxima do adversário. Os alas estão trocados, os centrais sobem, um ou outro médio mais alto também.

Para aproveitar este momento, as equipas passaram a defender muitas vezes com onze. Em vez de deixar um jogador como «referência», procura-se sair «em velocidade» assim que a bola deixa de estar parada. «Às vezes vemos jogadores da equipa que defende que ainda a bola vai no ar e já eles estão a partir em direção ao meio-campo adversário». Defender alguém «em movimento» é mais difícil do que cuidar de um alvo parado.

Fora de casa, sem a pressão dos adeptos, jogar mais atrás e procurar os momentos de desequilíbrio parece a forma de jogar perfeita. Pelo menos em Portugal, esta época, tem sido.