Pode parecer estranho, mas é verdade: uma equipa da Papua Nova Guiné disputou esta quarta-feira o Mundial de Clubes. Perdeu com Al-Wahda (0-3) e já foi eliminada, mas esteve lá, nos Emirados Árabes Unidos, onde provavelmente nunca sonhou estar. Chama-se Hekari United e nasceu inspirada... em Pelé.

Esse mesmo, o rei do futebol. Como? O brasileiro Marcos Gusmão, que já foi seleccionador da Papua, explica. «O Hekari é obra de um homem: John Kapi-Nato», diz ao Maisfutebol. «Kapi-Nato é dono do clube e vice-presidente da federação nacional. É um homem riquíssimo, tem o monopólio do petróleo no país.»

Para além disso é apaixonado pelo futebol. Criou a liga nacional e investiu no Hekari. «Ele vive para o clube. É louco pelo futebol e investe fortunas no Hekari. É a paixão da vida dele.» Dele e da esposa Vonnie Kapi-Nato. Os dois dedicam-se a cem por cento a uma espécie de academia que faz do Hekari um clube à parte.

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A pergunta que se impõe: num país dominado pelo râguebi e pelo futebol australiano (uma variante do futebol americano), de onde vem a paixão de John Kapi-Nato pelo futebol? É aqui que entra Pelé. «Ele quando era novo estudou em Nova Iorque. Nessa altura tornou-se fã do New York Cosmos, e particularmente de Pelé.»

O brasileiro mudou-lhe a vida. «Também é dono de uma equipa de râguebi, mas não lhe dá atenção.» O futebol tornou-se a paixão de Kapi-Nato. Dedica-lhe todo o tempo e há dois anos revelou ter o sonho de ver o Hekari num Mundial de Clubes. «Com paixão, nada é impossível», disse na altura. Hoje deve ser um homem feliz.

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Marcos Gusmão sabe do que fala. Foi contratado por Kapi-Nato para mudar o futebol da Papua, viveu quatro anos em sua casa, ensinou a maior parte dos jogadores do Hekari a jogar e foi professor do treinador. «Kapi-Nato contrata os melhores jogadores da Papua e das ilhas ali à volta, Salomão, Fiji, Samoa...».

O magnata do petróleo papuano recruta os melhores jovens nas centenas de ilhas do pacífico, dá-lhes tecto na capital Port Morsby, toda a alimentação e uma pequena semanada. Num país em que a maior parte das pessoas vive com um dólar por dia, é tudo o que eles precisam. Até porque não fazem mais nada.

«A Papua Nova Guiné tem bons jogadores. São naturalmente talentosos e fisicamente fortes. Mas não tem estruturas. É difícil imaginar que o futebol no país possa progredir porque não há preparadores-físicos, não há fisiologistas, não há nada para além da paixão. O Hekari é um clube à parte e vive noutra realidade.»

Apesar de viver noutra realidade, vive muito distante do que se faz num qualquer outro continente. Por isso a derrota por 3-0 com o Al-Wadha não envergonha. «Não foi nada mau», diz Marcos Gusmão. «Pensei que fosse ser pior.» A Papua, lembre-se, está no último lugar do ranking FIFA. Só tem afinal a paixão pelo futebol.

Veja uma reportagem sobre o clube: