As várias posições tiveram como pano de fundo o chamado desporto de elite, cujos resultados ambicionados são os melhores possíveis de entre todos e cuja consagração na obtenção dos mesmos tem como palco privilegiado uma olimpíada. Mas não apenas na sua fase maturada e também no início do(s) percursos(s) que a esses resultados podem levar. Ou não.
Foi essa uma das elucidações feitas por Robert Malina, investigador e académico da Universidade do Texas (EUA). O professor norte-americano já três vezes presidente da Associação de Educação Física dos Estados Unidos, dedicou-se ao «Treino do jovem atleta» e uma das conclusões que pôde retirar-se foi que é errado haver uma prática especializada intensa logo desde tenra idade, pois não é assim que se assegura o sucesso.
Malina explicou que não há uma correlação especialmente forte entre os resultados que se tem em criança e os que se tem como sénior alertando que o objetivo no desporto praticado pelas crianças deve ser o de promover o acesso ao mesmo pelo maior número delas; até porque esses hábitos de prática desportiva por princípio é que poderão ser aproveitados por todos numa idade mais adulta dentro de uma perspetiva de vida mais saudável.
O investigador norte-americano descreve que o crescimento, a maturação e o desenvolvimento não são estádios independentes, mas são sim «três processos que ocorrem ao mesmo tempo interagindo» e faz o desafio de questionar o que é o «talento» sob a definição de «potencial». «É o potencial para quê? Para o sucesso? Para ganhar medalhas?»
Malina sabe o que é preciso fazer para a «retenção de uma criança numa modalidade» – pelo «alimentar» e pelo «desenvolvimento do seu «talento» –, mas também que o treino especializado é apenas «um dos momentos do espaço desportivo» criticando o peso que muitas vezes a influência familiar tem na condução das crianças para uma ou outra direção tendo o sucesso como aglutinador das decisões.
«O que conhecemos nós dos jovens atletas?» pergunta também o professor fazendo uma elucidação cronológica em quatro etapas: há treinar para treinar, treinar para competir, treinar para vencer e há depois o abandono. Malina critica a procura pelo talento numa realidade que conhece bem no seu país e num processo que apelidou de «fábrica de diplomas universitários». «A sobre-organização da infância» que para Malina é a «orientação direcionada desde muito cedo» não é reflexo de sucesso, pois, o que acontece em laboratório não é sempre o que acontece na realidade.
O académico refere «duas janelas implícitas de modelos de desenvolvimento», que se traduzem na infância e na média infância, que devem preocupar-se com o «desenvolvimento das capacidades» dos jovens, e na adolescência, onde se privilegiará o treino. «Como sobrevive uma criança na cultura de um ginásio, de um clube? Precisamos de estudar isso» sabendo desde já que «os programas de talento têm taxas de desistência e de reprovação muito grandes».
O professor texano revela que nos Estados Unidos «só dois por cento conseguem passar da bolsa desportiva do liceu para a bolsa desportiva na faculdade». Para vincar as suas questões Malina frisa que «a maioria dos atletas de elite praticou vários desportos antes de se especializar» lembrando que, quanto à eficácia dos programas de desenvolvimento, «só se ouve falar dos sucessos, mas não dos que desistem».
A propósito da intervenção de João Neto sobre a dieta que os judocas devem – ou não – fazer para terem o peso regulamentar das suas categorias, Robert Malina deu outra explicação fisiológica e também mental. O treinador português de judo explicou que o melhor método «é a perda de peso pela dieta de longo prazo e a desidratação aguda nas vésperas da competição».
Aplicando os processos do judo à especialização nos jovens atletas, Malina afirma que é perigoso pedir aos jovens que percam peso quando estão numa idade em que o normal é estarem a ganhar peso». «Pode haver alterações metabólicas num corpo que está em fase normal de mutação. E as alterações não são só físicas como também são mentais, sobretudo nas raparigas», esclarece o académico.
«Os jovens fazem cada vez menos desporto, mas os treinos são cada vez mais exigentes», refere Malina concluindo que «há maior probabilidade de lesões» e deixando mais questões: «Tendemos a dar atenção aos que vão para a elite e a esquecer os que ficam para trás. Os jovens podem estar a ser forçados a fazer o que não querem. Os jovens devem ter oportunidade para fazer outras coisas.»
O papel dos treinadores foi também tema central quando se discutiu os modelos corretos de preparação dos atletas e o presidente da Federação Portuguesa de Natação defendeu que «temos a legislação mais competitiva do mundo, mas não temos a compatibilidade de carreiras nem os meios». A existência das carreiras duais é um dos problemas dos treinadores e António José Silva salienta que «quer treinadores quer atletas têm de estar completamente disponíveis para o treino». «Não falta dinheiro, faltam as sinergias entre as estruturas», diz o investigador considerando que «é preciso apoiar os clubes que têm projeção nacional e internacional».
José Gomes Pereira concorda com importância de uma preparação «longitudinal e diferenciada» e não transversal, mas destaca que «para o atleta de elite não há preparação olímpica, há preparação de alto rendimento». O médico docente na Faculdade de Motricidade Humana explica que a preparação «tem de ser diária e continuada para que «não seja uma preparação a quatro anos, mas que seja para as competições de todos os anos».
O também membro da Comissão Médica do COP destacou a relação tripartida que tem de haver entre o atleta, o treinador e o médico sendo essencial a construção de uma equipa de apoio. «O treinador tem de saber pedir os outros especialistas», como psicólogos, nutricionistas e outros, explicou Gomes Pereira desenvolvendo que os especialistas também «têm de saber fazer e transmitir» as informações à restante equipa.
O debate centrado nas perspetivas nacionais foi feito a três tons. Carlos Marta destacou a existências dos 14 centros de alto rendimento (contado com o Jamor) com o presidente da Fundação do Desporto a debruçar-se essencialmente sobre a sua gestão. Mas quando a conversa passou para os residentes das federações presentes nesta mesa redonda, o cenário foi escurecendo.
Delmino Pereira queixa-se que «a base de recrutamento está cada vez mais pequena», pois «há cada vez menos crianças sem saber andar de bicicleta». «Nesta fase, a nossa missão é apaixonar as crianças pela modalidade», disse o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo propondo «ensinar as crianças a andarem de bicicleta no 1º ciclo».
Numa altura em que há «onze atletas no contexto do alto rendimento», o líder do ciclismo português diz que as intenções da federação são a «profissionalização» dos ciclistas nacionais jovens para depois «exportá-los, internacionalizá-los». Pedro Miguel Moura também deseja essa internacionalização que já existe com os expoentes nacionais do ténis de mesa, mas confessa as suas limitações.
«Não é possível a uma federação como a nossa criar gerações e gerações de jogadores de nível mundial, de exportar jogadores para estarem com os melhores», diz o presidente da Federação de Ténis de Mesa cujas propostas para o futuro passam por «trazer os portugueses que estão entre os melhores da Europa para cá e transformar o centro [de alto rendimento] de cá num grande centro da Europa de ténis de mesa, numa grande academia».
As intervenções dos presidentes das federações portuguesas de atletismo e de canoagem foram mais críticas do que as dos seus homólogos. Jorge Vieira afirmou que «a dificuldade do desporto português a nível internacional tem, claramente, a ver com as estruturas» sublinhando que «o financiamento é um problema que tem a ver com tudo». O líder federativo do atletismo frisou que «na elite não faltam substanciais meios» e que «o problema está na elitização, o processo que leva o atleta da base até ao topo».
Dando exemplos da inexistência de infraestruturas e material de treinos que não existem ou de dificuldades como treinar com luz emprestada de campos adjacentes, Jorge Vieira determinou cinco pontos chave a ter em conta para terminar com o que chamou de «estrangulamento da modalidade»: treinadores; infraestruturas, financiamento, qualidade da formação desportiva juvenil e organização.
Vítor Félix também foi crítico na descrição que fez dOo cenário com que se debate a federação de canoagem, que em Montemor «não tem torre, proteções contra o vento norte» ou sequer «alojamento» próprio para os atletas. O líder federativo considera que «Portugal não tem centros de alto rendimento, tem centros de treino». E deixou o exemplo dos horários dos funcionários que saem às 17:00 ou da paragem a que ficam sujeitos os atletas se aqueles decidem fazer greve.