Lugar-comum: não há uma segunda hipótese para criar uma boa primeira impressão. Mas nem sempre a primeira impressão é a mais importante. Note-se João Pereira, por exemplo. Já esteve lá no alto, caiu num passo mal calculado, mas voltou a trepar metro a metro a encosta do sucesso. Até à selecção principal.

Com 26 anos chegou finalmente à equipa nacional. Sete anos depois de ser lançado no Benfica e assinar contrato por cinco épocas. Nessa altura todos os sonhos pareciam iminentes. Não eram: estavam até muito longe de o ser. Mas João Pereira soube admitir o erro, cresceu como homem e recuperou o êxito a pulso.

Foi aliás o próprio que o admitiu, numa entrevista ao Maisfutebol quando estava no Sp. Braga. «Criei muito sonhos, mas as coisas estagnaram e por responsabilidade minha. Tive oportunidades suficientes e não as soube agarrar. No Benfica vivia com a cabeça na lua, pensava que era um jogador com dimensão e não era.»

Atirado «em choque» para a Honra

Quando Fernando Santos chegou à Luz, já depois de meia época de empréstimo por pedido do atleta, João Pereira foi dispensado. Assinou pelo Gil Vicente a pensar jogar na Liga, mas o Caso Mateus atirou-o para a Liga de Honra. «Tanto pessoal como profissionalmente, foi um choque muito grande», conta João Vilela.

João Vilela é dos melhores amigos de João Pereira. Conheceram-se no Benfica quando o lateral-direito tinha oito anos, e já depois de fazer um ano na Escola Domingos Sávio. Estudaram juntos, tiraram aliás o curso profissional de desporto, fizeram toda a formação no clube encarnado e viajaram juntos para Barcelos.

«Partilhámos casa durante vários meses e o início foi difícil. Mas foi bom para ele. Serviu para colocar os pés no chão, para perceber que o mundo não era cor-de-rosa.» Já sem ligação ao Benfica, atirado para um clube pequeno, João Pereira teve de crescer. E cresceu mesmo. Desportiva, mas também pessoalmente.

Recorde a noite da reconciliação

«Recordando o passado, vendo imagens, tenho noção que causava problemas. Fazia coisas que não devia fazer. Mas o tempo passa e vamos ficando mais maduros», diz na entrevista. A mesma em que refere a importância de Ulisses Morais no crescimento conseguido. O treinador agradece o reconhecimento.

«O João Pereira é um exemplo para todos», frisa Ulisses Morais. «É um exemplo que devia ser retratado em livro. Eu sei o quanto ele trabalhou para ultrapassar a imagem que andou colada a ele. Falávamos muitas vezes e ele aceitou sempre tudo que lhe transmiti. Foi dos melhores profissionais com quem trabalhei.»

Em Barcelos relançou a carreira em ano e meio de sucesso, mas sucesso escondido. «O João é uma pessoa com muita auto-estima, muito confiante e sabia que alguém haveria de acreditar nele.» Acreditou o Sp. Braga, que chegou a capitanear. Seguiu-se o salto para o Sporting, o regresso a um grande e a estreia na Selecção.

«O João sempre foi um rebelde»

Tudo conseguido a pulso, numa longa estrada que teve de percorrer para limpar a imagem de quezilento. O jovem truculento do Casal Ventoso cresceu e amadureceu. «Ele sempre foi um rebelde, na escola arranjava alguns problemas, mas cresceu e desse tempo só guarda a azia quando perde», diz João Vilela.

Com 26 anos tornou-se finalmente internacional: no Dragão, na estreia também de Paulo Bento. Curiosamente após a saída de Agostinho Oliveira, com quem teve um desentendimento nos Sub-21. «Se foi por isso que depois não me convocou para o Euro e agora não me convoca para a Selecção, o problema é dele.»

As palavras são outra vez de João Pereira, na mesma entrevista ao Maisfutebol, há mais de um ano. «Para mim não houve qualquer tipo de problema. A minha consciência está limpa e tranquila.» Nem é preciso pensar mais. O sonho de chegar à selecção principal está cumprido: deu a volta mais longa, mas foi.