Trinta anos e a certeza que poderia ter ido muito mais além no mundo do futebol. Da altivez de uma serenidade que aos poucos tomou conta de si, João Peixe sorri e retorna a dias em que era considerado «melhor do que o Nuno Gomes», com quem formou uma dupla temível na defesa das cores nacionais. A apopléctica viragem no seu percurso desportivo estragou os anseios de um jovem que sabe ter passado «ao lado de uma grande carreira», mas nas suas palavras a mágoa já há muito deu lugar à prudência e à cordialidade.
Lamenta, contudo, a forma como durante muitos anos foi olhado nos clubes por onde passou. O «diz que disse» e a «mentira contada tantas vezes, que acaba por se tornar verdade», classificaram-no como «conflituoso». João sublinha o rótulo injusto e a vigilância constante de que foi alvo épocas após épocas. Nesta valsa dos detectives, melodia muitas vezes sem sentido, destaca, no entanto, as «experiências gratificantes» obtidas na maioria dos muitos clubes por onde passou. E deixa uma sugestão: porque não tentar a entrada no Guinness, o livro de todos os recordes?
«Não tenho a certeza, mas devo ser o jogador português com maior número de clubes representados ao longo da carreira. Seria fantástico bater esse recorde mas, ainda assim, preferia ter estabilizado num grande clube e ter feito uma carreira de grande dimensão nacional e internacional», diz, penitenciando-se uma vez mais pelos erros de juventude.
«Tudo junto, faz com que hoje eu me arrependa. Acho que tive razão em alguns dos casos, mas reconheço que devia ter ficado calado e engolido alguns elefantes. Mas era muito ambicioso e tinha como grande objectivo tornar-me, o mais rapidamente possível, no ponta-de-lança titular do Benfica.»
Uma aventura que fez do lar um simples local de passagem
Qual caixeiro viajante, João Peixe aprendeu a encarar a sua casa como mais um lugar de passagem. Munido de armas e bagagens, paciência e muita esperança, percorreu o nosso país de lés a lés, em busca da reconciliação consigo mesmo, do jogador que havia sido no dealbar da carreira. De Beja a São João da Madeira, com passagens pela Covilhã e Marco de Canavezes, exponenciou o prazer de jogar futebol até ao limite em representação de dezanove clubes, número invulgar, quiçá um recorde.
«Apesar de todas as dificuldades, nunca fiquei desempregado. Arranjei sempre clube, graças ao meu trabalho e sem ajudas de ninguém», assevera, enquanto avisa o que ainda espera vir a fazer enquanto futebolista profissional. «Esta temporada pretendo atingir a minha terceira subida de divisão, muitos golos e muitos jogos. Depois, e enquanto tiver força e sentir prazer pelo futebol, vou tentar dignificar a minha carreira.»
Para melhor perceber o peculiar trajecto de João Peixe, aqui ficam todos os clubes representados, desde o familiar «Os Nazarenos» até ao Benfica de Castelo Branco, o seu novo desafio. Dezanove emblemas no total.
O percurso de João Peixe:
1989/90, «Os Nazarenos» (iniciados)
1990/91 a 1993/94, Benfica (juvenis e juniores)
1994/95, Estrela da Amadora (1ª divisão)
1995/96, Académica (Honra) e Alverca (Honra)
1996/97, Alverca (Honra) e Desp. Aves (Honra)
1997/98, Desp. Beja (2ª B)
1998/99, Oriental (2ª B) e Sp. Covilhã (2ª B)
1999/00, Sp. Covilhã (Honra) e Marco (2ª B)
2000/01, Sanjoanense (2ª B)
2001/02, Ionikos (1ª divisão) e Pedras Rubras (2ª B)
2002/03, Sp. Pombal (2ª B) e Micaelense (2ª B)
2003/04, Ac. Viseu (2ª B)
2004/05, Vasco da Gama de Sines (2ª B) e Estarreja (2ª B)
2005/06, Pedras Rubras (2ª B)
2006/07, Benfica de Castelo Branco (3ª divisão)