Segundo um velho provérbio escocês, «uma boa história, por muito que se conte, nunca se gasta». Acreditamos que esta é, efectivamente, uma boa história, recheada de pequenas estórias e episódios únicos. É a história da carreira profissional de João Peixe, ex-internacional sub-20 e verdadeiro «globetrotter» do futebol português. Dezanove clubes representados, expectativas adiadas «ad eternum», erros antigos com direito a uma sentença demasiado pesada e experiências de vida rotuladas como «enriquecedoras». De tudo isto, e de mais, João Peixe falou ao Maisfutebol, poucos dias depois de regressar da China e vestir a camisola do Benfica de Castelo Branco.
Nazaré, 1990. Nas finas areias da praia que se anicha perante o Sítio (local de peregrinação na pitoresca vila), João parece ainda não acreditar. Depois de algumas épocas no «Os Nazarenos», humilde emblema local, já falta pouco para que comecem os treinos no Benfica. Os sonhos são muitos, as ilusões ainda mais, mas o tempo encarregar-se-á de cumprir grande parte deles. Entre as temporadas de 1990/91 e 1993/94, Peixe deixa de ter razões para invejar o seu tio Emílio, campeão do mundo de sub-20 em 1991.
Em quatro épocas com a camisola encarnada, João conquista vários títulos colectivos e individuais e chega a internacional, cumprindo todas as etapas nas selecções de formação. Em 1994, sagra-se campeão da Europa de sub-20 e pensa tocar no céu. No entanto, a ingratidão da vida apresta-se a pregar-lhe algumas rasteiras e o regresso ao solo terrestre é feito de cabeça. O primeiro ano de sénior, ao serviço do Estrela da Amadora (emprestado pelo Benfica), confirma as expectativas que recaem sobre as suas qualidades, mas na antecâmara do Mundial do Qatar, em 1995, lesiona-se com gravidade. Poucas semanas antes do início da prova, diz-se recuperado, mas o departamento médico da FPF tem opinião contrária. Na primeira pessoa, João Peixe recorda o sucedido.
«Perto do final da época no Estrela, fiz uma rotura parcial do ligamento do joelho direito. Recuperei bem e estava pronto para ir ao Qatar. Os médicos da FPF, Bragão dos Santos e Camacho Vieira, é que tiveram opinião contrária e não mo permitiram. Era titularíssimo da selecção, fazia dupla com o Nuno Gomes e não me deixaram jogar o Mundial. Sentia-me bem e achei que devia ter lá estado, até porque o médico do Estrela da Amadora concordava comigo e defendeu a minha posição.»
Pesadelo alastra-se à Luz
No defeso de 1995, João Peixe mergulha no lado oculto do mundo do futebol. Primeiro, vê o seu empresário José Veiga a «não defender da melhor maneira» os seus interesses, impedindo-o, assim, de permanecer no Estrela. Arrisca, por isso, uma experiência em Inglaterra, com o aval de Gaspar Ramos, à época o homem forte do futebol do Benfica.
«Começava o meu segundo ano de sénior e fui fazer uns testes a Inglaterra, com a permissão do Gaspar Ramos. Estava já há uma semana lá e, sem contar, recebi uma carta dele, onde me ameaçava que, se não regressasse, levantava-me um processo disciplinar», conta, na serenidade que os seus actuais 30 anos lhe conferem.
«Pelo que soube, ele fez isso a mando da restante direcção. Tinha havido um problema com o Dominguez numa transferência para Inglaterra, e eles não quiseram arriscar. Enfim, fui obrigado a voltar e emprestaram-me à Académica». Já em plena Cidade do Conhecimento, dá uma entrevista onde critica o papel de Gaspar Ramos em todo o processo. Depois de José Veiga, outra figura poderosa do futebol deixa de estar ao lado de João Peixe.
«Critiquei-o e se calhar até fui injusto. Era muito novo e achava que só eu tinha razão. Acabei por arranjar confusões para o meu lado e, a esta distância, admito que não estive bem.» Como se estes imbróglios já não fossem suficientes, em Coimbra as coisas correm mal e Peixe parte em Dezembro para o Ribatejo. Ao serviço do Alverca, também na Honra, recupera alguma da alegria perdida, mas os danos anteriores são irreparáveis.