Em abril, numa entrevista ao L’Équipe, Raphaël Varane recordou os «três piores jogos da carreira». Tais ocasiões tiveram um denominador em comum: uma concussão.

Nos «oitavos» do Mundial de 2014, ante a Nigéria, um choque levou o defesa francês a um «apagão», permanecendo em campo, mas sem memória de tal. Os efeitos da concussão alastraram-se ao jogo seguinte, diante da Alemanha, que culminou na eliminação de França.

«Em 10 anos nunca quis falar sobre o assunto. Não conseguia responder. Não me recordo do jogo com a Nigéria depois daquele choque», revelou.

Mais recentemente, em 2020, aquando dos «oitavos» da Liga dos Campeões, Varane sentiu-se sem energia para preparar o segundo «round» com o Manchester City. Nessa partida, o central francês acumulou erros e facilitou a qualificação dos «Citizens».

«Questionei-me imenso e percebi que os erros não tinham caído do céu. [Antes, numa partida com o Getafe] Recebi uma bola de cabeça, na sequência de um canto, e tive de sair. Segui um protocolo de recuperação de cinco dias, sem muito esforço. Sentia-me muito cansado, mas pensei que seria o normal do fim da temporada. Quando retomei os treinos, ainda não tinha recuperado», recordou.

Por isso, aquando da transferência para o Manchester United, Varane recebeu ordem para não efetuar mais de 10 cabeceamentos nos treinos.

A encefalopatia traumática crónica

Para John Stiles, filho do campeão do mundo Nobby Stiles (1966), as sucessivas concussões poderão resultar na «doença silenciosa» que atraiçoa muitos futebolistas a partir dos 50 anos.

«Os futebolistas normalmente começam a ter sintomas entre os 50 e os 60 anos. O meu pai teve um período em que sentiu uma ansiedade terrível. E muitos jogadores têm os mesmos sintomas que causam ansiedade e paranóia. É horrível ver como a doença se apodera de alguém que amas e ver essa pessoa a desaparecer à tua frente. Mas é mais horrível ver que os ex-jogadores não recebem ajuda suficiente. E as famílias veem-se obrigadas a vender as suas casas para pagar os custos de tratamento», apontou o antigo jogador do Leeds, em entrevista ao SPORT.

Esta doença resulta da degeneração das células cerebrais. Por isso, John Stiles abriu um processo contra a Liga e a Federação inglesa.

«[Varane] tem razão em estar preocupado. A doença que está a matar os jogadores chama-se ETC: encefalopatia traumática crónica. A cada vez que sofres um impacto na cabeça, uma proteína chamada “tau” desprende-se no cérebro. Se não tiveres outro impacto, acalma e não há problema, mas os futebolistas têm dezenas de cabeceamentos. Então, essa proteína instala-se no cérebro e destrói-o», referiu, ainda, apoiado em estudos.

«Fiquei muito feliz pela entrevista do Varane. Escrevi aos 92 clubes profissionais de Inglaterra e a todos os da Superliga feminina. Disse-lhes que o professor William Stewart - profissional de medicina em Harvard - e eu íamos falar com os jogadores sobre os perigos dos cabeceamentos. Todos nos recusaram. Não nos deixaram falar com os jogadores. Estou convencido que não sabem e não querem que os jogadores saibam», concluiu John Stiles.

Nobby Stiles, falecido em 2020, aos 78 anos, foi campeão do mundo em 1966. O médio contribuiu com seis jogos e ajudou a eliminar Portugal nas meias-finais (2-1), em Wembley.