O campeonato escocês nunca foi um portento de emoção. Como ser quando, nos últimos 30 anos, apenas dois clubes foram campeões? A dicotomia Celtic-Rangers (interrompida desde 2012 quando os protestantes foram despromovidos devido a dívidas), marca, indubitavelmente, o futebol local. Basta olhar para a lista de campeões para perceber que, em 119 edições, os velhos rivais levam 100 campeonatos (54 do Celtic e 46 do Rangers).

A última vez que um outro emblema chegou ao título foi em 1985. Foi o Aberdeen. Ora, é precisamente o Aberdeen que, por estes dias, vestiu a pele de séria ameaça ao reinado do Celtic, vencedor dos últimos quatro títulos.

O arranque de temporada nos «Dons», a alcunha, é extraordinário a todos os níveis. A equipa soma oito vitórias em outros tantos jogos, incluindo uma sobre o Celtic, na sexta jornada.

É, já, o melhor arranque da história do clube, fundado em 1903, e que conta com quatro títulos escoceses no currículo. Na época passada, já sem o Rangers, o Aberdeen fez segundo no campeonato, mas a uma distância gigante do campeão Celtic: 17 pontos.

Poderá este ano ser diferente? O Maisfutebol ouviu a opinião de Hugo Faria, português que joga na Escócia. Milita no Livingston, da II Divisão, mas acompanha, naturalmente, as incidências do primeiro escalão. E não acredita que o Aberdeen possa interromper o jejum de 30 anos e o domínio dos velhos rivais do Old Firm.

«A ideia que me parece que é geral por cá é que isto é temporário. As pessoas acham que o Celtic acabará por ser campeão. E com uns dez pontos de avanço. A ideia é que, por muito que possam dar luta, o Celtic acabará sempre campeão. Estão todos à espera que o Aberdeen caia», conta o português.

Um Aberdeen a festejar o título é, portanto, um cenário que Hugo Faria não imagina. E acredita falar pela maioria da Escócia. «Nem sequer é o terceiro clube. Há o Celtic, há o Rangers, mesmo que agora esteja na II Divisão, e há o Hearts. Depois há os outros. O Aberdeen é um outsider», considera.

E isso reflete-se, até, no número de adeptos. O português conta que jogou contra o Rangers na II Liga e estavam 44 mil pessoas no estádio. «Celtic e Rangers são o expoente máximo. O Hearts também tem muitos adeptos. O Aberdeen terá, em média, 10, 11 mil por jogo. Não tem comparação», defende.

Ainda assim, Hugo Faria guarda elogios para a performance surpreendente do Aberdeen. «É uma equipa com experiência e ainda no ano passado ficou em segundo, o que já foi muito bom. Já não conseguiam há vários anos», frisou.

«Vi alguns jogos este ano. Aqui quase todas as equipas jogam em 4-4-2 ou 4-1-4-1 ofensivo. Eles também. Têm um estilo muito direto, dois pontas de lança muito possantes e utilizam muito as alas. O jogo deles passa por muitos cruzamentos, defendendo bem. Está a resultar»
, finaliza.

O próximo teste dá pelo nome de Inverness, já este sábado. Nas principais Ligas europeias há registos 100 por cento vitoriosos mas em menos jogos. Casos do Bayern Munique (6 triunfos), na Alemanha, Inter de Milão (5), em Itália, ou Olympiakos (4), na Grécia.

A carreira do Aberdeen na Liga escocesa:

1ª jornada: Dundee United (F), 0-1
2º jornada: Kilmarnock (C), 2-0
3ª jornada: Motherwell (F), 1-2
4ª jornada: Dundee FC (C), 2-0
5ª jornada: Patrick Thistle (F), 0-2
6ª jornada: Celtic (C), 2-1
7ª jornada: Hamilton (C), 1-0
8ª jornada: Hearts (F), 1-3

A era Ferguson e o encontro com o FC Porto

Como se disse, apesar de afastado da ribalta há largos anos, o Aberdeen é um histórico na Escócia e, até, na Europa do futebol. Sobretudo pelo que fez na década de 80, quando era treinado por Alex Ferguson.

Foi o Aberdeen a catapultar o histórico treinador do Manchester United. Foi contratado em 1976, venceu três dos quatro títulos da história do Aberdeen, uma Taça das Taças, uma Supertaça Europeia, além de outros títulos no seu país. Saiu dez anos mais tarde, rumo a Old Trafford, para o percurso que é, por demais, conhecido.

O jogo mais importante da história do Aberdeen talvez seja mesmo a final de Gotemburgo, em 1983. O jogo que mostrou Ferguson à Europa.
Os escoceses do Aberdeen nem eram os favoritos, face ao Real Madrid, embora a caminhada até àquela final da Taça das Taças tenha imposto respeito, sobretudo quando deixaram o Bayern Munique pelo caminho.

Ficou para a história a meticulosa preparação que Ferguson preparou, levando a equipa para um hotel no meio da floresta e impedindo as esposas de visitar os jogadores. Willie Miller, capitão, contou uma história curiosa, anos mais tarde: «A minha mulher estava grávida e, se entrasse em trabalho de parto, tinha de ligar para o Fergie e não para mim…»

O jogo foi ganho no prolongamento, com um golo de John Hewitt a três minutos do fim. Ele que foi o único suplente lançado por Ferguson, o que vincou ainda mais o dedo do treinador no triunfo. Muitos anos mais tarde, o escocês faria ainda melhor com o Manchester United na histórica final de Barcelona contra o Bayern Munique: dois suplentes a virar um jogo em cima do final…



No ano seguinte, novamente com Ferguson ao leme, o Aberdeen só não chegou a nova final da Taça das Taças porque se cruzou…com o FC Porto.

Os «Dons» estão também na história dos dragões, sendo o último obstáculo que a equipa passou antes da final de Basileia, a primeira da história do clube e a única de má memória: a Juventus ganhou 2-1.

O FC Porto venceu por 1-0 nas Antas, com golo de Fernando Gomes, mas para a história ficou mesmo o jogo da segunda mão, quando poucos viram o tento de Vermelhinho, já no último quarto de hora, que confirmou o sucesso portista. Motivo? O intenso nevoeiro daquela noite que ajudou a imortalizar o jogo.



O Aberdeen, que antes da época passada não era vice-campeão desde 1994, tem ainda uma curiosidade final. Em mais de 100 anos de história, o clube só teve um treinador que não era escocês! Foi entre 1999 e 2002. O escolhido foi o dinamarquês Ebbe Skovdahl, antigo treinador do Benfica, em 1987/88.