Por Rui Malheiro*

Duzentos e dois minutos de utilização no Brasileirão 2013, três golos no terreno sagrado do Maracanã. Tudo isto em seis dias alucinantes. Eis Hyuri, menino do Rio e botafoguense de coração, a nova estrela relâmpago do futebol brasileiro. O mesmo moleque que, há cinco meses, saltou do banco de suplentes do Audax Rio para marcar o golo do triunfo diante do Flamengo no Cariocão 2013. Aos 90'+2'. A emoção foi tanta que nem sabia como celebrar: desatou a chorar, recordando os golos falhados em jogos anteriores e que o ajudaram a crescer. Em seis dias, detonou o Coritiba, passou ao lado da vitória em Criciúma, o que lhe custou a titularidade diante do Corinthians. Diante do Timão, saiu do banco para marcar o golo da vitória em cima do minuto 90. Desta vez, o menino não chorou. Sorriu e correu para a torcida alvinegra, que já o acolheu como novo xodó. Hoje, depois de ter sido titular no clássico diante do Flamengo (1-1) na primeira mão dos quartos-de-final da Copa do Brasil, completa 22 anos. Foi o seu reencontro com o Mengão, o time a quem marcou o golo que o tirou do anonimato.

De rejeitado à saída do anonimato
Hyuri Henrique de Oliveira Costa nasceu no Rio de Janeiro a 26 de setembro de 1991. Cresceu em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade maravilhosa, com a bola nos pés e o sonho de ser futebolista no Botafogo, o clube de coração.
Reprovado nas peneiras de Vasco da Gama, Fluminense e Madureira, Hyuri, que maravilhava as colegas de escola pelo talento para a dança funk, pensou em formar-se em Psicologia. Até que, aos 17 anos, teve a oportunidade que tanto aguardava nos juvenis do Audax Rio.
No início de 2011, o seu bom rendimento valeu um empréstimo de seis meses à formação secundária do Internacional de Porto Alegre, onde se cruzou com Rafael Copetti (ex-Benfica B), Wagner Silva (ex-júnior do Benfica), William Massari (ex-júnior do FC Porto) e Tales (ex-Sporting), concluído antes do tempo devido a problemas de adaptação.
De regresso a São João do Meriti, ao seu Audax, Hyuri, fã de Messi e de Neymar, explodiu no Campeonato Carioca 2013, ao lado de jogadores experientes como Leandro Bonfim (ex-FC Porto), Douglas (ex-Vitória de Guimarães), Fabiano Eller (ex-Atlético Madrid) ou Andrade (ex-Sporting de Braga). Titular nos 4 primeiros jogos da temporada, o seu rendimento inconstante fez com que perdesse a titularidade. Recuperou-a à 7ª jornada, diante do Vasco da Gama, mantendo-o até à 11ª, onde uma derrota diante do Boavista EC (1-2) custou-lhe novamente o lugar.
Chegava o seu momento: suplente utilizado diante do Flamengo, na 12ª jornada, saiu do banco, a trinta minutos do fim do prélio, para marcar nos descontos o golo que valeu um triunfo histórico. A 31 de março de 2013, Hyuri saía do anonimato depois de assinar o tento que definiu como o mais importante da sua carreira. De regresso à titularidade, marcaria o golo do triunfo diante do Macaé (1-0) na rodada seguinte. Ao todo, 13 jogos (em 15 possíveis) e 2 golos no Carioca 2013.

O expresso de Jacarepaguá
Alcunhado por Luís Roberto, narrador da TV Globo, durante o Campeonato Carioca, de expresso de Jacarepaguá, fruto da sua velocidade, condição física e bom toque de bola, Hyuri chegou, em 2008, ao Audax Rio: media 1,81m e pesava 69 kg.
Menos de cinco anos depois, antes de se transferir para o Botafogo, media 1,85m e pesava 77,5 kg. Ao todo, ganhou 8,5 kg de massa muscular, fruto do intenso trabalho físico realizado no Audax, explicado por Felipe Oliver, preparador físico do clube: «Ele sempre teve muita velocidade. A força, nós trabalhamos no Audax. A força somada à velocidade resulta na potência: algo que ele tem muito. É por isso que dá aquelas arrancadas. Tem uma explosão impressionante.».
Maurício Barbieri, o seu antigo treinador no Audax Rio, elogia o ex-pupilo e estabelece comparações com Vitinho, jogador que rumou do Botafogo ao CSKA Moscovo: «O Hyuri é um jogador com muito potencial e margem de progressão. Embora joguem em lados distintos, ele e o Vitinho têm características semelhantes. O Vitinho, a partir do flanco esquerdo, usava muito o drible, enquanto o Hyuri, que connosco jogava à direita, é mais velocidade. Ele conduz bem a bola, tem um bom drible longo e ajuda a equipa a recompor-se defensivamente. Não foge da luta e ajuda a defender. Tem um comportamento muito bom e tenta fazer o que o treinador pede. Procura melhorar, não tem vaidade excessiva e dava-se muito bem com todos. Se melhorar a finalização, vai fazer mais golos».
Roger, antigo jogador do Benfica e comentador do canal brasileiro SporTV, também não poupa elogios a Hyuri: «Impressionou-me quando fiz os jogos do Campeonato Carioca. Tenho amigos nos quatros grandes clubes do Rio e, conversando com um dirigente e um empresário, falei para estarem atentos ao menino do Audax. Após o jogo com o Coritiba, os dois ligaram-me a perguntar se o Hyuri era o garoto.».

O novo xodó da torcida alvinegra 
21 de agosto de 2013. Hyuri Henrique, ex-Audax Rio, é apresentado oficialmente como novo reforço do Botafogo. Cinco dias antes, Oswaldo de Oliveira, treinador do Alvinegro, antecipava a aquisição: «Ninguém sabe do Hyuri, não é? Vamos contratar um ponta do Audax.». Hyuri, o ponta do Audax, era um nome guardado nos arquivos de prospeção do técnico desde o Campeonato Carioca. Foi Oswaldo quem sugeriu à diretoria do Botafogo a sua aquisição após o particular entre o Botafogo e o Audax Rio, realizado, no final de junho, durante a paragem do campeonato em virtude da Copa das Confederações.
As saídas de Vitinho (CSKA Moscovo), Fellype Gabriel (Sharjah) e Andrezinho (Tianjin Teda) permitiram um precioso encaixe de 15,2 milhões de euros, mas obrigaram Oswaldo de Oliveira a reformular o ataque. Suplente não utilizado diante do São Paulo, a 1 de setembro, uma excelente exibição coroada com um grande golo num jogo-treino diante do Olaria garantiu-lhe a titularidade diante do Coritiba.
Oswaldo de Oliveira antecipou a estreia do ex-Audax Rio: «Todos os jogadores contratados pelo Botafogo passam por um levantamento para diminuir a margem de erro. Não adianta ter apenas habilidade. O jogador precisa de ser consciente, disciplinado e obediente. Hyuri traz esse respaldo. Gostava que ele tivesse mais um pouco de tempo para se adaptar e que a sua entrada na equipa fosse feita de forma gradual, mas as saídas de alguns jogadores obrigam-nos a antecipar a estreia. Ele tem uma característica interessante: remata bem com os dois pés.».
Maracanã, 6 de setembro de 2013. Titular diante do Coritiba, Hyuri, o novo camisa 17 do Alvinegro, atuou a partir do flanco direito do ataque e tornou-se no herói da partida ao apontar 2 golos no triunfo (3-1) sobre o Coxa. Entrou tímido e algo nervoso, mas, aos 40 minutos, pleno de oportunismo, concluiu de cabeça um cruzamento de Rafael Marques da esquerda.
O grande momento chegaria ao minuto 50: depois de deixar para trás quatro adversários, o último deles com um impressionante movimento de rotação, chutou tranquilamente para o fundo da baliza de Vanderlei. A torcida entrou em delírio e Hyuri não resistiu a comemorar o golo com os adeptos.
Substituído, em glória, para dar lugar a Octávio, outra das jovens promessas lançadas por Oswaldo, ouviu o seu novo cântico: «Olê, lê, olá, lá, Hyuri vem aí e o bicho vai pegar!». Na estreia oficial pelo Botafogo e no seu primeiro jogo no Campeonato Brasileiro, o expresso de Jacarepaguá transformou-se no novo xodó da torcida e teve honras de capa em todos os jornais do Rio de Janeiro. Todos não: a exceção foi o jornal O Globo.

A redenção à tacada de 100% 
Dois dias depois, na deslocação ao terreno do Criciúma, o Botafogo venceu (2-1), mas Hyuri passou ao lado do jogo e foi substituído perto do fim com o resultado em 1-1. Oswaldo de Oliveira alertara para a necessidade de proteger o jogador para continuar a render e não ser apenas um espasmo. As dúvidas, apesar do discurso e postura equilibrada do jogador, levantavam-se. Teria sido apenas um espasmo?
Maracanã, 12 de Setembro de 2013. Com Lodeiro de regresso à equipa, após presença na seleção uruguaia, Hyuri iniciou a partida no banco dos suplentes. Entraria em campo aos 57 minutos para render Elias, autor do golo do triunfo em Criciúma, numa altura em que não se desatava o nó à igualdade a zero. Agitou o jogo, obrigou Tite a reformular o setor defensivo do Timão e, em cima do minuto 90, aproveitou um brilhante passe de rutura do lateral Edilson para se isolar, pleno de explosão, diante do guarda-redes Cássio. Sem hesitações, superou-o com uma picadinha subtil e correu, mais uma vez, para a torcida que tanto o aclamou e acarinhou. O Alvinegro derrotava o Corinthians (1-0) e mantinha vivo o sonho do título brasileiro.
Oswaldo de Oliveira, no rescaldo do jogo, não se coibiu de elogiar a sua descoberta: «Fico feliz pela maneira como as coisas estão a acontecer. O Hyuri marcou o seu terceiro golo e este deu-nos os três pontos. Ele é um menino que vimos no Campeonato Carioca, passava desapercebido no Audax Rio, e, de repente, veste a camisa do Botafogo e conquista a torcida de forma veemente. É uma tacada de 100% que me alegra muito.».
Hyuri precisou de 6 dias e 202 minutos de utilização para se transformar no novo xodó da torcida do Botafogo e em estrela relâmpago do futebol brasileiro. Sucessor de Vitinho, também revelado no Audax Rio, clube que projetou Paulinho (Tottenham) e Rafael Carioca (Spartak Moscovo), foi imediatamente homenageado pelo MC Dom, adepto do Fogão, com o funk “Hyuri é Botafogo”, onde não falta uma mensagem para Scolari.
Apontado ao estrelato, Hyuri mantém uma postura humilde e tranquila fora das quatro linhas. Agradece o carinho dos torcedores, elogia o apoio dado pelos colegas de equipa (Seedorf à cabeça), rejeita comparações a Vitinho e afirma que ainda não conquistou nada. Ciente que todo o impacto podia subir-lhe à cabeça, recorre à educação que lhe foi transmitida pelos pais e pelo irmão para demonstrar o contrário. Por isso mesmo, após o jogo frente ao Corinthians realizou um treino físico e de finalização – com o pé esquerdo, o que define pior – com os adjuntos e o guarda-redes Andrey. Na cabeça do expresso de Jacarepaguá as ideias estão bem arrumadas: «Só penso em trabalhar mais forte e ajudar o coletivo. Se não der para marcar golos, vou ajudar na marcação. É que a defesa começa a ser feita com uma boa marcação dos atacantes.».
Novamente titular no triunfo (2-1) sobre o Santos, foi decisivo ao realizar o cruzamento para o segundo golo de Elias, muito perspicaz a atacar a bola de cabeça em antecipação à defesa do Peixe. Contudo, o regresso de Lodeiro custou-lhe a titularidade na deslocação ao líder Cruzeiro (0-3) e na receção ao Bahia (1-2). Suplente utilizado nas duas partidas, não conseguiu sair do banco para alterar o desfecho. O Botafogo ainda permanece no segundo lugar do Brasileiro 2013, mas os oito pontos de atraso para o Cruzeiro conferem tranquilidade à Raposa, grande favorita à conquista do título.
O passe do jogador ainda não pertence ao Botafogo. Está emprestado ao alvinegro até maio de 2014 e tem valor fixado para a opção de compra: 900 mil reais por 60% dos direitos económicos. Os outros 40% continuarão a pertencer ao Audax Rio, clube ao qual está vinculado até dezembro de 2015.

O que é que Hyuri tem?
A adoção do 4x2x3x1 como sistema da moda das equipas brasileiras beneficia as características de Hyuri, permitindo-lhe atuar a partir da ala direita. Nos cada vez menos utilizados 4x2x2x2 e 3x5x2, jogaria como falso avançado ou avançado, mais preso ao espaço central ou obrigado a movimentações de dentro para fora.
O que o converte num jogador diferenciado? A potência. É capaz de aliar velocidade, (um impressionante) poder de aceleração, mobilidade, força física e agilidade, o que o torna extremamente perigoso em ações sem bola – muito perspicaz a desmarcar-se – e com bola – interessante capacidade de condução e poder de desequilíbrio no um para um sem exagerar em individualismos - visível na acutilância para romper em diagonais em direção à baliza e fortes argumentos a explorar transições ofensivas.
Apesar dos bons augúrios, tem ainda um caminho a percorrer para melhorar a sua tomada de decisão e capacidade de definição no remate, no passe e no cruzamento. Destro preferencial, com argumentos no futebol aéreo e capaz de utilizar o pé esquerdo, os 3 golos – 2 de pé direito e 1 de cabeça – em 337 minutos de utilização mostram uma evolução no capítulo do remate em relação ao que mostrou no Campeonato Carioca – 2 golos em 902 minutos de utilização -, ainda que acuse alguma precipitação sobretudo quando procura finalizações de fora da área. A nível do passe e do cruzamento, apesar de esporádicos bons apontamentos, tem ainda muitos aspetos para refinar na tomada de decisão, na definição e na leitura das desmarcações dos seus colegas de equipa. Contudo, é um jogador que não se esconde do jogo e procura criar linhas de passe com as suas movimentações.
Um dos aspetos que mais surpreende no jogador é a disponibilidade física e agressividade para participar em trabalhos defensivos. Capaz de pressionar logo após a perda da bola, procura fechar o corredor e a recuperar bolas, apesar da sua inexperiência fazer com que seja batido no um para um.
Num olhar estatístico sobre a temporada do Botafogo, que já utilizou 32 jogadores, deparamo-nos com dados interessantes sobre Hyuri. Com apenas 6 jogos, 3 como titular e 3 como suplente utilizado, já é o 5º melhor marcador do Alvinegro no Brasileirão e o 4º com mais remates por jogo (12 em 6 jogos, o que perfaz uma média de 2 finalizações por jogo), aspeto em que apenas é superado por Vitinho, Seedorf e Lodeiro. A nível do passe, os 68,4% de acerto comprovam a necessidade de trabalhar muito mais esse capítulo, como também os cruzamentos: 2 certos (um deles deu golo) em 10 tentativas. Forte nos duelos aéreos – 1,8 ganhos por jogo -, não se nega a trabalho defensivo, mesmo que a eficácia na recuperação não impressione: 6 desarmes completos, 3 interceções completas e 11 faltas realizadas.

* Rui Malheiro é especialista em futebol internacional e analista da WyScout