«O problema é que, antigamente, o número 10 tinha muitos privilégios e agora tem cada vez mais obrigações para cumprir. E assim é mais difícil pensar, porque, com o cansaço, a cabeça não está suficientemente fresca para tomar decisões criativas.»
- Concorda com a ideia de que a última revolução táctica no futebol aconteceu com a Holanda de 1974 e, a partir daí, tudo foram adaptações?
(hesitante) - De certa forma sim, a Holanda de 1974 foi a última grande revolução ofensiva no futebol. Houve uma outra, a do Milan de Sacchi, mas que para mim assentava demasiado na pressão sobre o adversário, mais do que na posse de bola.
- Tacticamente, assistimos no final dos anos 90 à recuperação dos extremos, graças a jogadores como Figo, Overmars ou Giggs. Um dado muito positivo, não lhe parece?
- Antes de mais, penso que se não fosse pelo futebol holandês essa recuperação não teria sido possível, pelo menos no imediato. De qualquer forma, é uma evidência que os campos têm 60/70 metros de largura e que há óbvios benefícios em explorar esses espaços.
- Mas há ainda muitos treinadores a defender que essa exploração deve ser feita pelos laterais de corredor, os chamados «carrileros»...
- Os «carrileros» são laterais, ou extremos, com cem metros nas pernas. São um pouco defesas, um pouco médios, e um pouco avançados. E no fim não são nada, são elementos que dão ao jogo um contributo mais físico do que futebolístico. Por isso concordo com Cruijff, que durante o Mundial de França escreveu que o inventor dos «carrileros» devia ser enforcado...
- Evitada a «morte» dos extremos, não estamos perante uma ameaça semelhante em relação aos números 10 clássicos, como Platini, Zico ou, a outra escala, Maradona?
- Esse é um fenómeno cujo início também pode ser associado ao Milan de Sacchi. No entanto, a Juventus respondeu logo de seguida, conquistando vitórias importantes com dois jogadores - Zidane e Del Piero - que tinham alma de número 10, embora Del Piero jogasse como avançado.
- Mesmo assim, esses nomes são excepções no panorama actual...
- Não há muitos números 10, de facto, mas para mim eles continuam a ser fundamentais para dar clareza às manobras atacantes das equipas. Sem alguém para desempenhar esse papel é muito difícil jogar bom futebol.
- Mas a escassez de herdeiros dessa tradição nas equipas de «top» cria a ideia contrária...
- Todos os jogadores, ou candidatos a jogador, sonham actuar nessa posição. Mas poucos são capazes de desempenhar o papel. O problema é que, antigamente, o número 10 tinha muitos privilégios e agora tem cada vez mais obrigações para cumprir. E assim é mais difícil pensar, porque, com o cansaço, a cabeça não está suficientemente fresca para tomar decisões criativas.