Lobo nunca sorri. Senta-se no banco e espera que os seus jogadores façam muito mais do que ele alguma vez lhes pediu. Mesmo que marquem três/quatro golos, mantém-se impávido e sereno. O tempo tornou o velho coronel Valeri Lobanovsky num homem ressentido com o próprio futebol, que continua a amar incessantemente, mais do que tudo na vida. 

O eterno treinador do Dínamo de Kiev, que vai estar sentado esta noite num dos bancos do Estádio do Bessa, é uma das referências do futebol de Leste e talvez o último grande treinador proveniente da antiga União Soviética. Nasceu a 6 de Janeiro de 1939 (62 anos), em Kiev e abraçou o projecto do Dínamo bem cedo. Primeiro como jogador, depois e até hoje como treinador. 

Personagem controversa e quase sempre polémica, revolucionou o futebol russo modernizando-o e levando a Europa a respeitá-lo e admirá-lo. No presente, começa a faltar-lhe motivação, embora seja considerado pelos compatriotas «um enviado de Deus para o futebol ucraniano». Só o dinheiro e o desejo de progresso do novo presidente do Dínamo, Hryhori Surkis, o tem conseguido manter à frente da equipa, embora os resultados desportivos a nível europeu não tenham sido positivos. No aspecto interno não podia ser melhor: nove campeonatos nacionais consecutivos. 

Avançado temível 

Antes de ser um grande treinador, Valeri foi um avançado temível. Canhoto, alto e de pernas longas, marcou 71 golos em 253 jogos na primeira divisão russa, tendo representado apenas três clubes: Dínamo Kiev (58-64), Chornomorets (65-66) e Shaktyor Donetsk (67-68). Foi internacional apenas por duas vezes e nomeado 33 vezes para a lista dos melhores jogadores da época na União Soviética. 

Como atleta não chegou muito longe, talvez porque nunca tenha deixado de prestar grande atenção aos estudos. Dizia-se na altura que resolvia os problemas matemáticos com tanta facilidade e brilhantismo como passava pelos defesas. Essa atitude permitiu-lhe a graduação no Instituto Politécnico de Kiev. Cansado do estilo de futebol defensivo, deixa de jogar aos 29 anos, quando vestia a camisola do Shaktyor Donetsk. 

Treinador consagrado 

Em 1969 aceita o cargo de treinador pela primeira vez, no Dniepr, onde permaneceu até 1973. Confessa que foi nesse modesto clube que aprendeu um dos elementos básicos para os ensinamentos futuros. Primeiro dá-se muito ao jogador para depois lhe pedir ainda mais de retorno. Outra frase, também de sua autoria, terá ficado ainda mais célebre: «Quando falamos num grande jogador devemos seguir o princípio de que terá 1% de talento e 99% de trabalho árduo».  

Olhando para o vasto currículo é fácil concluir que Lobanovsky está ligado a praticamente todos os êxitos da União Soviética nos seus últimos 20 anos de existência. Mas foi no Dínamo que alcançou os maiores êxitos. Em 75 ganhou tudo o que era possível ganhar: campeonato russo, Taça dos Vencedores das Taças e Supertaça Europeia, destronando neste último troféu o poderoso campeão europeu Bayern de Munique. Em 86 voltou a vencer a Taça das Taças. 

Valeri implantou um modelo. Foi talvez o primeiro na Europa a fazê-lo de forma tão vincada, naquilo que adaptado aos dias de hoje se pode definir como sistema, organização e princípios. Mesmo assim, foi muitas vezes injustiçado pelos russos, que nunca gostaram de o ver a treinar a selecção. Foi chamado várias vezes para comandar a equipa nacional, primeiro em 75/76, depois em 82/83 e finalmente entre 86 e 90. Como os títulos nunca apareceram, Lobanovsky foi desprezado e até as suas qualidades como treinador foram questionadas. Desde essa altura nunca mais voltou à Russia. 

Um novo ciclo 

Amargurado com o futebol, «refugiou-se» nas Arábias, onde treinou a selecção dos Emirados Árabes Unidos (90-93) e do Kuwait (94-96). Nunca explicou porque o fez, mas ficou evidente no regresso à Ucrânia de que era um homem diferente, menos implacável com a imprensa, até mais acessível. Ontem, porém, na conferência de imprensa relativa ao jogo com o Boavista, voltou a simular uma doença e faltou ao encontro com os jornalistas, aparecendo mais tarde no treino. 

Apesar de todas as contrariedades da vida, Valeri Lobanovsky mudou o futebol e continua a manter um desígnio, a que ele chama caminho. «Um caminho é sempre um caminho, tanto de noite, como de dia». O legado do «velho lobo» extravasou as fronteiras do antigo Bloco de Leste e não se deixou apagar com a queda do Muro de Berlim. Ainda recentemente levou o Dínamo quase até ao pico da Europa. Acompanhado das estrelas Shevchenko e Rebrov, só foi derrotado pela Juventus nos quartos-de-final da Liga dos Campeões (97/98) e, na mesma prova, um ano depois, levou a equipa até às meias-finais, onde foi derrotado pelo Bayern Munique. 

Nas última duas épocas o sucesso não tem sido o mesmo e, apesar da idade, o certo é que o estádio do Bessa vai ter, esta noite, um verdadeiro mito sentado num dos bancos de suplentes.