Nascido numa favela em Porto Alegre, onde dormia no chão, Marcos Tavares jogou no Grémio ao lado de Ronaldinho Gaúcho, mas a «falta de maturidade» e as más decisões obrigaram-no a emigrar. Depois de experiências na Malásia e em Chipre, o brasileiro assinou pelo Maribor em 2008 e por lá se manteve durante 16 anos.

O brasileiro mudou-se para a Eslovénia a convite do ex-Benfica, FC Porto e Vitória, Zlatko Zahovic e teve um sucesso tremendo. Marcos Tavares tornou-se no maior goleador da história do futebol na Eslovénia (159 golos) e também é detentor do recorde de golo mais rápido da primeira divisão.

Em conversa com o Maisfutebol, o atual vice-diretor para o futebol do Maribor analisa Šeško, Sporar (que ainda defrontou como jogador) e revela as expetativas da Eslovénia para o jogo contra Portugal, dos oitavos de final do Campeonato da Europa.

Maisfutebol: O Marcos foi o primeiro brasileiro a jogar no Maribor e acabou por ficar a viver no país, não foi?
Marcos Tavares: A Eslovénia é a minha casa. Costumo dizer que existiu um Marcos antes e outro depois da Eslovénia. Foi neste país que realizei muitos dos meus sonhos: fui capitão de equipa durante mais de uma década, joguei Liga Europa e Liga dos Campeões. Jogámos contra o Sporting uma vez, lembra-se?

Sim, o Sporting acabou por ganhar um jogo e empatar outro, certo?
Sim. Empatámos aqui na Eslovénia, lembro-me que o Nani marcou um belo golo. Depois perdemos em Alvalade [ndr: 3-1]. Mas como estava a dizer, a minha vida mudou aqui. Sou o maior goleador da história do país, tenho o recorde do golo mais rápido. Conquistei o respeito das pessoas. Tenho passaporte esloveno e decidi, juntamente com a minha esposa ficar a morar no país. Há 16 anos que estou aqui, joguei sempre no Maribor e desde que acabei a carreira, há cerca de três, que sou vice-diretor de futebol do clube.
 

Marcos Tavares jogou 16 anos no Maribor, clube que capitaneou durante mais de uma década.


Agora é mais um esloveno a apoiar a seleção para o jogo contra Portugal.
Sim, claro. Já quando a Eslovénia se apurou para o Europeu, o que não acontecia há muito tempo, foi uma festa muito, muito grande. É muito importante para um país pequeno, com dois milhões de habitantes, chegar aos oitavos de final de um Campeonato da Europa. A Eslovénia está a tornar-se numa das maiores potências desportivas do mundo. Mas o futebol continua a ser o desporto número um. O país ficou em êxtase com o apuramento para os oitavos de final.

Qual é a expetativa do Marcos e das pessoas na Eslovénia para o jogo?
As pessoas recordam-se do último jogo. Não esperava que a Eslovénia ganhasse a Portugal mesmo jogando em casa. Lembro-me que havia muita conversa acerca da utilização ou não do Cristiano Ronaldo nesse jogo, mas não pensava que a Eslovénia fosse ganhar. Mas ganhou. Agora temos mais motivos para pensar que é possível ganhar porque já o fizemos. Será um jogo muito difícil para os portugueses e temos esperança de que possa ser histórico para a Eslovénia.

A Eslovénia tem dois avançados que são as referências ofensivas. Qual é a opinião do Marcos acerca do Sporar e do Šeško?
Ainda joguei contra o Sporar. Em meia época, ele marcou 16 golos e só consegui ser o melhor marcador do campeonato porque ele foi vendido em janeiro. Caso contrário, não iria conseguir. O Sporar é um grande jogador e uma pessoa com bom caráter. Luta muito e é importante para a seleção eslovena. Já o Šeško é um fénomeno aqui no país, todos o adoram. Sabemos que ele pode crescer muito mais, ainda é jovem. Tenho a certeza que vai jogar num dos cinco principais clubes do mundo.

O Šeško é uma das maiores promessas do mundo. A Eslovénia, curiosamente, é um país pequeno, mas tem muitos talentos em vários desportos, não só no futebol. Como é que isso se explica?
Faço a mesma pergunta (risos). Temos o melhor ciclista do mundo, a melhor esquiadora, o melhor basquetebolista. Mas não é só individualmente. A Eslovénia já foi campeã da Europa em voleibol por exemplo. É um país pequeno, mas cheio de talentos extraordinários.

Permita-me recuar um pouco no percurso do Marcos. Onde é que começou a sua carreira até chegar à Eslovénia?
Gosto de partilhar a minha história, sabe? Saí de uma favela em Porto Alegre onde dormia no chão. Quando era miúdo não tinha cama nem dinheiro para comprar carne ou peixe. Comia biscoitos ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar. O futebol é o caminho mais rápido para sair da favela. Esse era o meu sonho, queria dar uma vida melhor aos meus pais. Comecei a jogar no Internacional com nove anos e aos 13, o Grémio contratou-me. Passei a morar no estádio e a receber algum dinheiro. Dessa forma consegui ajudar os meus pais e a minha vida melhorou.

Chegou a estrear-se, inclusive, pela equipa principal do Grémio.
Sim, consegui cumprir o sonho de ser profissional no Grémio. Foi o Tite quem me lançou na primeira equipa, onde tive o privilégio de jogar com o Ronaldinho Gaúcho. Fui internacional sub-15 e sub-17, escalão no qual me sagrei campeão sul-americano. Joguei ainda nos sub-21 e nos sub-23 do Brasil. Mas não tive maturidade emocional para controlar uma criança que saiu do chão da favela e que chegou a ser amigo do melhor jogador do mundo. Não soube gerir a minha vida e aos 19 anos fui para a Malásia.

Quer explicar melhor?
Comecei a ir a festas, a beber e deixei de pensar no futebol. Parei com essa vida quando conheci a minha esposa aos 19 anos. Mudei de vida, no fundo.

Joga na Malásia, no Chipre e depois chega à Eslovénia pela mão do Zahovic. Como é que isso aconteceu?
O Nilton Cardoso, que infelizmente faleceu de cancro ainda muito novo, jogou comigo em Chipre e quando voltou para o Maribor disse ao Zahovic, na altura diretor desportivo, que tinha jogado com um bom avançado. O Zahovic gostou do que viu e trouxe-me para o Maribor.

 

Com 159 golos, Marcos Tavares é o maior goleador do I divisão do futebol esloveno.

Como explica o sucesso que teve no Maribor?
O início na Eslovénia não foi fácil, mas o Zahovic foi muito importante na minha carreira. Como ele falava português, dava-me conselhos e mostrava que acreditava no meu talento. A minha fé em Deus também me ajudou a ter sucesso. Fui o primeiro brasileiro a jogar no clube, mas o Zahovic confiava tanto em mim que me deu a braçadeira de capitão ao fim do primeiro ano. Aliado a isso, o facto de todos me terem recebido bem ajudou ao meu sucesso.

Fez imensos golos e tornou-se no melhor marcador da história da Liga eslovena. Por que razão nunca saiu do Maribor?
O Zahovic deu-me sempre tudo o que esperava e pedia. Deu-me todas as condições para ficar porque entendeu que eu era fundamental para o clube. O contrato era bom, mas o meu objetivo era deixar um legado no clube e no país. Sou a lenda do clube, o maior goleador do futebol esloveno. Preferi criar um legado do que estar sempre a saltar de clube em clube. Foi isso que me permitiu ser diretor do clube também.

Vi que o Marcos, além do cargo que tem no Maribor, ainda organiza acampamentos com crianças. É uma maneira de devolver o carinho que sente pela Eslovénia?
É. A minha ideia é retribuir o amor que sempre senti do povo esloveno e agradecer de certa forma à Eslovénia pelo que fez por mim. Faço estes acampamentos de futebol há sete aos com crianças entre os 7 e os 14 anos e objetivo é ajudá-las no futebol. Passamos cinco dias juntos, fazemos as refeições e treinamos juntos. Divertimo-nos muito.