A ‘Euro 2016 Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autores dos textos: Stuart James (tática e questões chave) e Paul Doyle (segredos e perfil da figura)

Parceiro oficial no País de Gales: The Guardian

A seleção do País de Gales variou o sistema tático durante a fase de qualificação, mas a arrumação favorita é o 3-4-2-1 que os ajudou a conseguir vitórias decisivas em jogos com Chipre e Israel (fora) e em casa com a Bélgica. No início da qualificação, Chris Coleman foi firme ao afastar-se do 4-3-3, optando por jogar com três defesas, o que se adapta bem às características dos homens à sua disposição. Os galeses ainda regressaram ao clássico quarteto defensivo em dois jogos no início da campanha, mas tudo pareceu entrar nos eixos com a vitória categórica por 3-0 sobre Israel, em Haifa.

Nesse dia, além de apresentar uma defesa a três, Coleman organizou a sua equipa com dois números 10 (Gareth Bale e Aaron Ramsey) e a arrumação funcionou de forma espectacular. Os laterais ofensivos deram largura ao jogo, enquanto dois médios de contenção – Joe Allen e Joe Ledley – protegiam o trio de defesas, impondo o ritmo de construção quando a equipa recuperava a bola. Mais à frente, as corridas generosas do avançado Hal Robson-Kanu abriam na defesa de Israel os espaços que Bale e Ramsey exploravam. Ramsey deu vantagem à sua equipa e Bale marcou duas vezes, no que pode ser considerado um desempenho coletivo completo.

Parece provável que o País de Gales jogue exatamente assim em França. O sistema faz com que a equipa seja mais difícil de bater – concedeu apenas quatro golos no apuramento – e dá aos seus jogadores mais influentes, Bale e Ramsey, uma plataforma para lançar os ataques, sem os isolar. Jogar com Bale como homem mais adiantado é um rumo que Coleman não deverá seguir na fase final. Ele tentou-o em novembro de 2014, na Bélgica, e embora Gales tenha conquistado um ponto precioso (0-0), Bale passou demasiado tempo à espera de uma bola que nunca lhe chegava: só teve 18 intervenções no jogo em 90 minutos.

É impossível exagerar a importância de Bale no País de Gales. O avançado do Real Madrid adora representar o seu país e delicia-se com a liberdade que Coleman lhe dá. Marcou sete vezes e fez duas assistências nos 11 golos marcados na qualificação, e é daqueles jogadores que podem ganhar encontros sozinhos. Dar a bola a Bale, o mais possível, é uma necessidade para a seleção galesa.

A fraqueza mais evidente no grupo é a falta de um ponta-de-lança com provas dadas na Premier League. Simon Church, Sam Vokes e Robson-Kanu prestaram provas para o papel, mas nenhum deles é um goleador prolífico. Robson-Kanu será, quase de certeza, o escolhido, pela amplitude das suas movimentações, mas Gales não contará com ele para marcar muitos golos.

Uma das escolhas mais importantes passa por definir se Chris Gunter vai jogar como um dos três defesas ou como ala. A primeira opção é mais provável, com Ashley Williams e Ben Davies como candidatos óbvios a jogar a seu lado, atrás, e com Ashley Richards, do Fulham, que causou grande impacto na fase de apuramento, a manter-se como ala direito. Neil Taylor, do Swansea, ocupará papel semelhante do lado esquerdo. A outra questão premente para Coleman tem a ver com a condição física de Ledley, que poderá abrir uma porta para Andy King, um médio goleador que acabou de conquistar a Premier League com o Leicester.

Uma preocupação defensiva para a seleção de Gales é a sua vulnerabilidade nas bolas paradas. Os golos consentidos com a Irlanda do Norte e a Ucrânia, nos particulares de março, foram ambos em lances desse tipo, e a Bósnia também marcou assim por duas vezes nas únicas derrotas do País de Gales na fase de apuramento. Coleman está ciente do problema e será interessante ver se considera a inclusão de James Collins (West Ham) no trio de defesas, para dar à defesa da sua equipa mais argumentos físicos e no jogo aéreo.

Equipa provável: (3-4-2-1) Hennessey; Gunter, A Williams (c), Davies; Richards, Allen, Ledley, Taylor; Ramsey, Bale; Robson-Kanu

Que jogador galês pode surpreender toda a gente no Euro 2016?

A menos que Hal-Robson Kanu se transforme do dia para a noite num goleador de craveira mundial e marque golos às pazadas, é difícil acreditar que alguém de entre os não referenciados possa emergir na campanha galesa. Se Joe Ledley não conseguir entrar no onze devido a lesão, Andy King tem o potencial para ser um substituto mais do que competente para o médio do Crystal Palace. King teve o enorme azar de se deparar com N’Golo Kante e Danny Drinkwater para o mesmo lugar no plantel do Leicester, mas o seu rendimento foi excelente sempre que teve oportunidades. King é um daqueles jogadores que são subvalorizados fora do seu clube ou seleção, mas são muito apreciados por quem trabalha com eles, sejam técnicos ou colegas de equipa.

Que jogador pode dececionar?

Há tanta expetativa nos ombros de Gareth Bale que quase deu para ouvir os adeptos galeses susterem a respiração em Gales quando caiu por terra na final da Liga dos Campeões – com o que, mais tarde, se comprovou serem apenas câimbras. Bale parece alimentar-se da pressão que é representar o país, e da dependência dos seus adeptos, para retribuir com aqueles momentos que decidem jogos, mas bem poderá contar com uma ajuda de Aaro Ramsey, que assinou uma temporada dececionante com o Arsenal. Num dia bom, Ramsey é um jogador de classe mundial e o País de Gales precisa dele ao mais alto nível nos relvados de França.

Ate onde pode chegar esta equipa, e porquê?

Bale fez menção a tentar ganhar o Europeu, logo depois de ter conquistado a Liga dos Campeões, e vivemos tempos em que tudo parece possível, depois do que o Leicester conseguiu na Premier League. De forma realista, Gales tentará chegar à fase de eliminação direta. Ficar pela fase de grupos seria uma grande deceção, mas qualificar-se não é mera formalidade: resta a sensação de que muito vai depender do primeiro jogo, com a Eslováquia, tanto mais que a Inglaterra vem logo a seguir. Assim, é legítimo ambicionar uma vaga entre os 16 da segunda ronda mas, se Bale estiver ao seu melhor, que é sensacional, então o País de Gales pode ir ainda mais longe.

Os segredos dos jogadores (e treinador)

Chris Coleman

O atual selecionador meteu-se em apuros em 2007, ao recorrer a uma falsa desculpa depois de um atraso de 90 minutos numa conferência de imprensa, quando treinava a Real Sociedad. Na altura, disse aos jornalistas que o atraso se devia a uma avaria na sua máquina de lavar, que lhe tinha inundado o apartamento. Mais tarde admitiu a verdade, quando vieram a público notícias sobre a sua presença num clube noturno até altas horas da madrugada. «Estive até tarde num local onde não devia ter ido. Tenho de pedir perdão aos adeptos e a toda a gente ligada ao clube, porque não há desculpas, cometi um erro.»

Owain Fon Williams

O guarda-redes suplente Owain Fon Williams é um guitarrista talentoso e também um artista plástico cujas pinturas a óleo já estiveram expostas em várias galerias galeses. No ano passado, dois dos seus quadros foram comprados por 500 euros cada, numa galeria de Cardiff.

Neil Taylor

O lateral esquerdo do Swansea City foi designado jogador do ano nos prémios do futebol asiático de 2015. A sua mãe, Shibani, nasceu em Calcutá. Em 2015 assumiu a sua surpresa por ser o únco britânico asiático da Premier League. «Bem, qual é a barreira? Tanto quanto sei, para as pessoas com raízes indianas, a educação é a prioridade número um. Todos os paas formam as suas crianças para terem excelente desempenho escolar, com os sonhos postos de lado em favor das aptidões que lhes garantem uma carreira e uma vida confortável. Por que não há mais futebolistas profissionais? Penso que é uma daquelas coisas em redor das quais ainda há um estigma. Talvez os jogadores pensem que não vão ter oportunidades, ou que os treinadores não lham para eles seriamente. Todas essas coisas terão de mudar.»

Ashley Williams

O capitão galês foi um professional tardio. Depois de ser dispensado pelo West Bromwich Albion, aos 16 anos, jogou apenas como semiprofissional, completando o rendimento com uma variedade de outros trabalhos, incluindo empregado numa bomba de gasolina e empregado de mesa. «Era o pior de sempre, esquecia-me completamente das mesas»; admitiu. Depois de ingressar no Stockport County, em 2003, a sua carreira ganhou asas quando Roberto Martinez o contratou para o Swansea City, clube ao serviço do qual já cumpriu mais de 500 jogos.

Paul Dummett

O defesa do Newcastle United foi alvo de ameaças de morte proferidas por adeptos uruguaios furiosos após a sua expulsão, por uma falta dura sobre Luis Suarez no último dia da Premier League 2013/14 – o lance aconteceu apenas umas semanas antes de Inglaterra e Uruguai se defrontarem no Mundial do Brasil.

Perfil de uma figura da seleção: Hal Robson-Kanu

Durante o penúltimo jogo de qualificação do País de Gales, em casa, diante de Israel, no mês de outubro, milhares de adeptos cantaram repetidamente uma canção, acompanhados pela banda Barry Horns. A melodia era retirada de um hit de 1987 (“Push It” dos Salt 'N' Pepa) e a letra era simples: «Hal .. Robson ... Hal Robson-Kanu / Hal … Robson, Hal Robson-Kanu», uma e outra vez, ao longo de dez minutos, enquanto os adeptos saltavam na bancada com entusiasmo infantil. Gareth Bale é o melhor solista de Gales, mas Robson-Kanu, o útil e altruísta avançado, é quem melhor simboliza o seu espírito generoso.

Tornar-se um símbolo do orgulho galês não foi fácil para um jogador que nasceu em Londres e representou a Inglaterra nos escalões de sub-19 e sub-20, antes de se decidir pelo País de Gales, graças à sua mãe, nascida em Caerphilly.

O facto de nada ter sido fácil no percurso de Robson-Kanu é uma das chaves para a sua popularidade e ajuda-o a manter-se como símbolo de um país que prepara o seu primeiro grande torneio desde 1958.

Robson-Kanu assinou pelo Arsenal quando tinha 10 anos, mas foi dispensado pelo clube aos 15, por não dar sinais de estar prestes a tornar-se no poderoso atleta que se revelou na idade adulta. «Era um dos mais pequenos da equipa», explicou mais tarde «Não era suficientemente rápido, forte ou grande». Mas o diretor da Academia do Reading - um tal Brendan Rodgers que mais tarde se tornaria treinador do Liverpool e do Celtic - apercebeu-se do seu talento levando-o para o Reading.

Mais contratempos o aguardavam aí: logo depois de chegar, sofreu uma lesão grave nos ligamentos do joelho, que o afastou dos relvados durante mais de um ano. E pouco depois de recuperar dessa primeira lesão, voltou a rasgar os ligamentos, o que lhe provocou uma paragem competitiva que não andou longe dos três anos.

Mas voltou mais forte – e mais alto, atingindo a estatura atual de 1,84 m – e acabou por tornar-se um dos mais promissores jovens futebolistas em Inglaterra, o que lhe valeu as chamadas às seleções de sub-19 e sub-20. Estreou-se na primeira equipa do Reading em 2009/10 e, para o fim dessa temporada decidiu mudar para a seleção galesa de sub-21, antes da estreia como internacional absoluto numa derrota com a Croácia, em maio de 2010.

Robson-Kanu está no Reading há 11 anos, e os adeptos do clube dividem-se quanto à possibilidade de o verem partir neste verão: muitos valorizam-no, mas muitos outros pensam que mesmo no Championship é possível encontrar extremos mais perigosos e com mais magia. Sem ter assinado um novo contrato, Robson-Kanu acredita que os seus desempenhos no Europeu poderão atrair clubes de maior nomeada. E é provável que assim seja, mesmo que isso não signifique, necessariamente, que venha a marcar golos, ou a deslumbrar com pormenores tecnicistas. Bastará que continue a ser tão eficaz como foi na campanha de apuramento, durante a qual marcou apenas uma vez, mas foi determinante para o sucesso coletivo.

A grande proeza de Coleman foi a de criar uma verdadeira sinergia, com um sistema que dá solidez à equipa enquanto permite aos seus elementos mais desequilibradores, Bale e Ramsey, fazer o máximo de estragos possível.

Depois de uma vitória sofrida sobre Andorra (2-1), no primeiro jogo da qualificação, o técnico foi criticado por, aparentemente, ser demasiado conservador, mas a lucidez do sistema rapidamente se tornou clara: a mudança para três defesas, um par de médios defensivos e dois alas tornou a equipa compacta, enquanto o papel do ponta de lança serviu para dar a Bale e Ramsey espaços para aparecerem.

Esse foi um papel atribuído a Robson-Kanu, um extremo adaptado, que o desempenhou de forma soberba. Muitos extremos poderiam ter-se queixado, ou mergulhado no anonimato, ao ser-lhes proposta a missão de arrastar defesas com corridas destinadas a não ter a bola. Mas não Robson-Kanu.

A vitória em Israel foi o ponto alto, o momento em que o fim de uma espera de décadas por uma grande fase final pareceu finalmente possível. Robson-Kanu só marcou uma vez em toda a campanha, num golo que value a vitória em Chipre, por 2-1. O seu outro golo na equipa nacional surgiu em março de 2013, e deu origem a uma foto que se tornou um símbolo da era Coleman: a forma como Robson-Kanu caeceia para golo, depois de se elevar magnificamente sobre a neve do Hampden Park, para o golo da vitória, personifica a forma como esta equipa chegou ao triunfo, impondo-se a todas as adversidades.