Em junho de 2018, Gonçalo Paciência interrompeu uma ligação de 16 anos ao FC Porto. Cinco meses depois de ter voltado a casa pela porta grande. As exibições e os golos no Vitória de Setúbal deram-lhe a primeira internacionalização A e um lugar no plantel de Sérgio Conceição. 

Apesar desse resgate a meio da temporada e do excelente nível mostrado no Bonfim, Gonçalo só teve direito a duas chamadas à equipa titular dos campeões nacionais. O treinador preferiu quase sempre Marega, Aboubakar e Soares. 

Percebendo que a situação dificilmente se alteraria em 2018/19, o ponta-de-lança de 24 anos decidiu aceitar o chamamento da Bundesliga e assinou um contrato de quatro anos com o Eintracht Frankfurt. 

Nesta entrevista exclusiva ao Maisfutebol, Gonçalo Paciência fala sobre os meses finais da ligação ao FC Porto e reconhece enorme «tristeza» por não ter sido capaz de se impor de dragão ao peito. O seu desejo de menino.
 

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Maisfutebol – Janeiro de 2018. O Gonçalo ganha a Taça da Liga, vai à seleção, faz golos no Vitória e é chamado de volta pelo FC Porto. O Soares estava perto da saída, mas acabou por ficar. Isso foi decisivo para não ter os minutos que queria no Dragão?

Gonçalo Paciência – Bem, primeiro tenho de dizer que quando me ligaram do FC Porto, depois da final da Taça da Liga, senti uma alegria muito grande. Infelizmente, o regresso não foi aquele que eu perspetivava. Sonhava com a minha afirmação e isso não sucedeu. Porquê? Não sei. Fui campeão nacional pelo meu clube do coração, mas a história que imaginei na minha cabeça não acabava assim, com a minha saída. Sonhava com algo mais. Há coisas que nos marcam. Não ter feito mais jogos no FC Porto causou-me grande tristeza.

MF – Qual foi o seu melhor jogo pelo FC Porto nesses seis meses?
GP –
Acho que o jogo contra o Sporting, em casa. Depois dessa vitória pensei que as coisas iam mudar para mim. Esse era o momento certo para isso. Mas aconteceu o contrário e só voltei a ser titular no último jogo da Liga. O Clássico correu-me bem, mas não houve seguimento. No jogo a seguir, em Liverpool, só entrei perto do fim.

MF – Percebe-se que o jogo contra o Sporting foi marcante.
GP –
Foi, mexeu comigo e acreditei que podia agarrar a oportunidade. Mas o momento mais marcante foi a celebração do título, primeiro no hotel e depois no Dragão e nos Aliados.  

MF – O Sérgio Conceição alguma vez teve alguma conversa para explicar o que pretendia de si?
GP –
Sim, falámos algumas vezes, mas depois nos jogos não tive continuidade. A confiança nunca foi a melhor e um jogador sem confiança é sempre pior. Bastava comparar o que fazia em Setúbal e o que fiz no FC Porto. Há uma frase do Paulo Bento que explica bem isto: «Dar uma oportunidade não é meter o jogador. Dar uma oportunidade é não tirar esse jogador». Não fui a aposta principal do mister Conceição. Fui tendo pequenas oportunidades e assim é difícil. Cinco minutos aqui, mais dez ali, enfim. Não ponho as culpas em ninguém, apenas em mim. Estarei ligado para sempre ao FC Porto, até pela conexão familiar. Fui um dos poucos privilegiados a ser campeão nacional no clube do coração.

Gonçalo no jogo contra o Sporting, com Marega e Brahimi

MF – Foi essa falta de continuidade que precipitou a sua saída do FC Porto?
GP –
Senti que continuaria a não ser a primeira opção no ataque ou sequer um jogador importante. A proposta do Eintracht surgiu e o FC Porto não colocou qualquer entrave à minha saída. Estou feliz na Alemanha, mas não esperava sair desta maneira do FC Porto. Saí triste porque tinha muito para dar ao clube. Como bom menino da cidade do Porto, idealizava ficar muitos anos no FC Porto. Falava sobre isso, aliás, com o Luís André, psicólogo do clube. Dizia-lhe que o meu sonho era ser importante na minha cidade por jogar no FC Porto. Podia ter feito mais pelo meu clube de sempre.

MF – Durante seis meses esteve nesse balneário do FC Porto. Como é que o plantel viveu o percurso até ao título?
GP –
Tínhamos uma dinâmica de equipa e de trabalho fortíssimas. Talvez seja a isso que chamam mística. Foi isso que nos fez ganhar no último minuto na Madeira e muito perto do fim na Luz. As pessoas falam sempre da raça, da mística, mas a qualidade e o trabalho são tão ou mais importantes. Basta lembrar a defesa do ano passado: Ricardo, Maxi, Dalot, Felipe, Marcano, Alex Telles… Sem qualidade não há mística. O Paulinho Santos tinha mística? Sim senhor, mas era um jogador de qualidade. Isso é indispensável. A bola é o mais importante do jogo. E o mais difícil para alguns jogadores (risos). Pode correr-se muito, mas alguns correm mal.

MF – O José Couceiro, seu treinador no Vitória, disse publicamente que o Gonçalo seria «um nove de grande nível» mas que precisa de sentir que «existe confiança» no seu futebol para render. É assim?
GP –
Concordo com o mister (risos). Por trás de um jogador com bom rendimento tem de estar um treinador que lhe passa confiança, que lhe permite o erro, que sabe lidar com ele. O José Couceiro foi um dos treinadores que mais me marcou. É um grande homem, uma pessoa fantástica. Conseguiu tirar o máximo rendimento de mim, criava um ambiente muito saudável no balneário. Terei sempre muito carinho por ele, até porque me ajudou a chegar à Seleção Nacional. Fiz questão de lhe oferecer essa camisola da minha estreia.

MF – Como é que ele o convenceu a ir para Setúbal?
GP –
Nunca me esquecerei desse telefonema num dia quente de agosto. Eu tinha outras possibilidades, confesso, mas quando é o próprio treinador a telefonar, a explicar tudo direitinho… é diferente. Quando informei a minha família dessa possibilidade, todos duvidaram. Eu meti na cabeça que ia e que ia correr bem. Não podia ser de forma diferente. Tive a ajuda de um personal trainer amigo, o Francisco, e isso também foi fundamental. Fisicamente senti-me sempre muito bem.

MF – Além do José Couceiro, há mais algum treinador especial na sua carreira?
GP –
O Sérgio Conceição chamou-me para ganhar o campeonato pelo clube do meu coração, tenho de lhe estar grato. E o Rui Jorge merece o meu elogio público. É um treinador fantástico e que me fez sentir sempre bem nas seleções. Falamos regularmente e continua atento a mim. Levou-me aos Jogos Olímpicos, numa experiência fantástica, e fomos vice-campeões europeus de Sub21.  

(artigo originalmente às 23h55 de 28/03/2019)