Edson Araújo Tavares tem 54 anos e percorreu meio mundo até chegar ao Haiti. Assistiu à revolução de Abril em Portugal e chora agora com a miséria do povo martirizado pela natureza e a ganância dos homens. O brasileiro, actual seleccionador principal do país, faz um relato emocionado ao Maisfutebol.

Entre milhares de textos distanciados da realidade, reportagens ocasionais num cenário de catástrofe, as palavras de Edson chocam pelo realismo, pela descrição pormenorizada sobre um país que tarda em recuperar do mortal terramoto de Janeiro de 2010.

Foi um ano para esquecer. Veio o terramoto, as réplicas, a cólera e o dengue. Pelo meio, a instabilidade política, as acusações de desvio de fundos internacionais. Edson Tavares convive com este cenário desde Agosto de 2010. Por precaução, ficou a viver no seu Brasil, viajando para o Haiti quando urge a necessidade.

«Estão a sobreviver, não a viver»

O Haiti procura recuperar a alegria, com o futebol como catalisador, mas depara-se com adversidades constantes: «A cólera veio e deixou um rastro de mais de 5 mil mortos, segundo os números oficiais. Convém lembrar que a cólera foi provocada por tropas da ONU, do Nepal, que estavam cá. O ano de 2010 foi terrível para o Haiti. Primeiro o terramoto, segundo a cólera, depois o dengue. Eles estão a sobreviver, não a viver.»

Edson Tavares já viu de tudo. Mas nada como isto. «Estive em Portugal a jogar futebol no ano da revolução. Joguei no Belenenses na época de Quaresma, Mourinho, Sambinha. Depois da revolução, voltei para o F.C. Porto mas não tive oportunidades e fui logo para o Zurique. Fiquei 18 anos na Suíça mas a experiência em Portugal foi muito importante para mim», recordou.

No Haiti, porém, encontrou um desafio à sua própria resistência: «Não é fácil ver pessoas a viver como animais, crianças, idosos, tudo. Mas a experiência que mais me marcou foi uma grande prova de discriminação na Jamaica. Ver a tristeza e a amargura nos olhos de 15 e 16 anos é muito duro. Vai ser uma imagem complicada para apagar»

«A maior prova da xenofobia existente»

Edson Tavares descreve um caso que remonta a Fevereiro desde ano. As notícias sobre o surto de cólera no Haiti chegaram à Jamaica, organizador de um torneio da CONCACAF (Confederação de Futebol da América do Norte, América Central e Caraíbas) de selecções sub-17. Os jogadores e o próprio treinador foram sujeitos a constantes exames até perderem um compromisso por falta de comparência.

«Presenciei a maior prova da xenofobia existente no Mundo. Fui para a Jamaica, acabei por me sentir mal e na véspera do primeiro jogo solicitei um médico jamaicano, que me diagnosticou cólera sem eu saber. Suspeitaram também jogadores meus», descreve, acrescentando: «Fomos todos levados para o hospital. Horas antes do segundo jogo, fomos expulsos. A CONCACAF acabou por alugar um voo e enviou-nos de volta para o Haiti. Ainda por cima, eu tinha malária e não cólera, quase morri da medicação que me deram.»

A FIFA está a patrocinar as obras no estádio Sylvio Cator, o principal no país, pensando na qualificação para o próximo Campeonato do Mundo. Edson Tavares acredita na qualidade dos jogadores do Haiti mas não esconde algum receio pelo futuro.

«Neste momento, a situação está indefinida, há problemas de tesouraria. Não sou de desistir e o desafio do Mundial pode ser ma grande alegria para o povo do Haiti, eles bem merecerem. Se não conseguirem os fundos, será mais uma grande frustração. O maior desafio é conseguir um patrocinador. Penso que as obras no estádio não estarão concluídas a tempo e provavelmente devemos jogar nos Estados Unidos, onde há uma grande colónia haitiana», remata.