O que é ser especial? É ganhar 17 troféus em dez anos de trabalho, é estar permanentemente no centro das atenções, é ser diferente.

José Mourinho começou a ser especial há dez anos. Apresentado como técnico principal do Benfica a 20 de Setembro de 2000, contornou a desconfiança, manipulou a turba de opositores e rasgou as mais conservadoras convenções.

A ascensão foi meteórica. Resistiu à passagem breve e conturbada pela Luz, maturou as ideias em Leiria, atingiu o céu no F.C. Porto. Em Londres quebrou uma maldição com meio século, no Inter apenas ganhou tudo aquilo que podia ganhar.

Agora chegou à lua, como disse já esta segunda-feira. «Em Madrid ainda não consegui nada. É uma história ainda por construir. É como chegar à lua. Os dez anos passaram muito depressa e os próximos dez também vão passar. A paixão é a mesma do primeiro dia, por isso suponho que vou ter 70 anos e continuar a ser treinador.»

Talvez tudo isto seja especial.

Memórias do primeiro treino

«Um dia à Benfica» no Maisfutebol

O palmarés e frases marcantes

A organização desde o primeiro dia

Primeiro dia no Estádio da Luz. Apresentação à imprensa, palavras charmosas, a mesma organização de sempre. Ao seu lado estava Carlos Mozer, que se recorda muito bem do momento em que conheceu Mourinho. O antigo adjunto do Special One, que já foi Il Speciale e agora é El Especial, conta tudo ao Maisfutebol.

«O Zé conquistou-me logo. Veio ter contigo e entregou-me uma folha. Li e vi que eram os exercícios que tínhamos de fazer no primeiro dia. Tudo ao pormenor. Pediu-me algumas coisas e fomos para o balneário. Quando cheguei lá, vi que tudo o que tinha no meu papel já estava desenhado no quadro, para os jogadores verem», recorda o primeiro treinador-adjunto de Mourinho.

«Esse é o melhor retrato do José Mourinho: a organização.»

Um dos maiores responsáveis pela entrada de José Mourinho no Benfica foi Álvaro Braga Júnior. O antigo director geral da SAD explica como convenceu João Vale e Azevedo a apostar naquele jovem de 37 anos.

«O presidente estava inclinado a contratar um técnico experiente e estrangeiro. Queria o Mourinho como adjunto, para fazer a ligação ao grupo de trabalho. Numa conversa desafiei-o a ter a coragem de apostar num indivíduo que eu sabia ter capacidades excepcionais. Felizmente, seguiu a minha aposta», diz o presidente do Boavista ao Maisfutebol.

«Sinto-me gratificado por ter trabalhado com o melhor de todos. O Benfica cometeu um erro enorme ao dispensá-lo. É um homem informado, inteligente e apaixonado por futebol. Conquista todos, mesmo os jogadores que normalmente coloca no banco de suplentes.»

A hora da chantagear Vilarinho

Mourinho durou 74 dias na Luz. Ao perceber que o sucessor de Vale e Azevedo na direcção do encarnados não contava consigo, optou por chantageá-lo. A expressão é do próprio José Mourinho.

«Tinha contrato apenas até final da época, porque havia eleições. Disse então ao Manuel Vilarinho que me tinha de me dar mais um ano de contrato ou então ia-me embora porque tinha clubes interessados. Foi uma forma de chantagem.»

Perante a recusa de Vilarinho, Mourinho esperou para sair em glória. Esmagou o Sporting por 3-0 na Luz e disse adeus enquadrado na porta grande. O resto é o que se sabe.

«Pouco depois o Zé foi desafiado a ir para o Leiria e aceitou. Quis levar-me com ele, mas não tive lucidez para dizer sim. O clube tinha problemas financeiros e preferi não ir. Lamento isso até hoje. Quando se trabalha com alguém com ele, o tempo partilhado nunca é suficiente», confidencia Carlos Mozer.