A caminho dos Jogos Olímpicos de Paris, o Maisfutebol lança uma série de conversas com atletas portugueses já qualificados. São 54 até agora, ainda com várias modalidades por definir. Estas são as suas histórias.

Yolanda Hopkins já escreveu Paris 2024 junto dos anéis olímpicos que tatuou no braço. Também acrescentou a palavra Tóquio em caracteres japoneses, a guardar a memória do quinto lugar que conseguiu na estreia do surf nos Jogos Olímpicos. Foi bom, mas ela queria mais, queria uma medalha. Vai voltar a tentar agora.

E não quer ficar por aqui. Para ela, a experiência de Tóquio não foi completa. Em tempo de pandemia, o ambiente em volta da competição perdeu muito. E neste verão, três anos depois, ela nem sequer vai estar em Paris. A competição de surf será no Tahiti, a mais de 15 mil quilómetros de distância da capital francesa. Teahupoo, na Polinésia Francesa, é um cenário ideal para o surf e, em princípio, particularmente favorável para Yolanda. Ela já vai falar sobre isso.

Mas, lá está, no Tahiti não terá a vivência olímpica que gostava de ter.

«Está difícil», ri-se Yolanda. «É o maior evento do mundo do desporto. Fazer parte desse ambiente é incrível. Mas em Tóquio foi muito restrito. Não podíamos ver nenhum dos outros desportos. Não vou esquecer aquele momento de subir para o Estádio Olímpico com toda a equipa portuguesa, que entra mesmo no coração de um atleta. Mas o estádio estava vazio.»

«Como este ano não vamos estar em Paris, ainda estou à espera. Agora tenho de me qualificar para Los Angeles para poder entrar no estádio outra vez com o estádio cheio. É mais um objetivo», volta a sorrir, a mostrar como ainda tem lugar no braço para aumentar a tatuagem. «Tenho espaço para mais dois Jogos no mínimo. Estou aqui preparada para Los Angeles e depois do outro lado tenho espaço para Brisbane.»

Por já ter tido aquela primeira experiência, Yolanda valorizou ainda mais o segundo apuramento olímpico. Ela conseguiu-o em fevereiro deste ano na última oportunidade, no Mundial de Porto Rico. Vai representar Portugal ao lado de Teresa Bonvalot, tal como em Tóquio. Nos Jogos de 2024, Portugal volta a ter apenas atletas na competição feminina de surf.

Uma qualificação «especial» com lágrimas

Garantir o apuramento foi um momento emotivo.

«Quando me qualifiquei para Tóquio eu não sabia exatamente no que me estava a meter. Mas agora, como já estive lá, já estive na aldeia olímpica, senti o que é ser uma atleta olímpica, acho que bateu muito mais forte. Eu estava a almoçar com a minha equipa em Porto Rico quando o treinador veio dizer-me que me qualifiquei. Acabei por soltar a emoção toda, chorar, dar abraços a toda a gente. Foi muito especial.»

Tem sido um ano mais intenso, por causa precisamente da qualificação olímpica, mas Yolanda está habituada. A competir no WQS, o circuito que decide o acesso ao WCT, o escalão principal do surf mundial, ela corre mundo ao longo de quase todo o ano.

Quando fala com o Maisfutebol está em Portugal, num intervalo entre competições. No final desta semana vai para o Tahiti, para se ambientar à onda que irá surfar nos Jogos Olímpicos. E depois segue para mais uma etapa do circuito na África do Sul. Está de olho na qualificação para o WCT. «Neste momento estou no top 7 e qualifica-se o top 5, por isso não estou muito longe. Definitivamente foi o meu melhor começo de ano.»

Por ano, nas suas contas, não passa mais de dois meses em Portugal. No resto do tempo está em viagem ou em competição, quase sempre em sítios paradisíacos. Mas não é assim tão idílico, diz, com o humor que vai pontuar a conversa.

«No final do ano já não já nem consigo ver a mala das pranchas, já nem quero olhar para aquilo. As pessoas dizem: ‘Ah, vais viajar, tão bom’. E eu quero é ficar em casa. As pessoas quando viajam não têm de carregar duas capas de pranchas de 30 kg cada e esperar horas e horas em aeroportos. Adoro a minha vida, mas no final do ano sinto que já chega.»

Deixar a família e viver «no meio das vaquinhas», atrás das melhores ondas

Yolanda nasceu em Faro, no Algarve, há 26 anos. É filha de mãe inglesa e pai português, daí o facto de o seu nome já ter tido mais do que uma versão em competições internacionais. Já foi apresentada como Yolanda Sequeira, mas ela prefere Hopkins. Fica arrumado o assunto.

«Como Sequeira é o meu último nome, normalmente quando vou com a equipa portuguesa inscrevem-me como Yolanda Sequeira. Mas Hopkins é um nome internacional e é fácil de memorizar. Além disso, Sequeira para o português é fácil de dizer, mas para o resto do mundo não é muito. Antes dos primeiros Olímpicos, a senhora que estava a comentar no campeonato perguntou-me como é que se dizia. Mandou-me mensagens de voz e tudo, mas não dava. E eu acabei por dizer: ‘Chama-me Hopkins.’ Hopkins está bom.»

Quando decidiu apostar no surf, ela mudou-se para Sines atrás de melhores ondas. «Tive de abdicar de estar com a família, com os meus amigos e vir viver aqui ao pé das vaquinhas», sorri. «Eu gosto muito de estar aqui. A única parte que custa é mesmo estar longe da minha família. Tenho um sobrinho e uma sobrinha, não os vejo durante dois, três meses e de repente, já estão o dobro do tamanho. A vida passa a correr. Esta é a parte mais difícil, ter de abdicar de certas coisas.»

Yolanda decidiu cedo que era isto o que queria fazer. Em criança, ela praticou vários desportos. Tinha jeito natural. «Eu tinha a sensação desde criança que faria alguma coisa relacionada com o desporto. Porque foi sempre o meu forte. Fui sempre aquela criança um bocado chata que era bastante boa em quase todos os desportos.».

Do futebol para o surf, amor à primeira onda

Fazia natação, jogava ténis e jogava futebol, de que gostava e ainda gosta muito. Talvez se tivesse tornado jogadora, se não tivesse descoberto o surf «um bocado por acaso», quando tinha oito anos. «Eu nem sabia o que era surf, basicamente», conta, a recordar que decidiu experimentar a convite de um professor de Educação Física, que lançou o projeto de uma escola de surf em Quarteira. Foi ela e a irmã. E para Yolanda foi amor à primeira onda.

«Eu era das mais novas. Deram-me uma prancha de bodyboard e ao fim de dez minutos eu pensei: ‘Que é isto? Não era isto que eu queria fazer’. Então meti a prancha para o lado e fui nadar até lá fora, onde estava o grupo dos adultos. E disse: ‘Quero uma prancha destas.’ Deitei-me, empurraram-me e na primeira vez meti-me em pé. Foi logo assim, encontrei o amor da minha vida. Foi mesmo instantâneo. Eu sempre tive grande ligação com o mar porque o meu pai pescava, tinha barcos, eu passava os verões ao pé da ilha do Farol. Acho que o surf foi o alinhamento de tudo.»

Os outros desportos ficaram para trás. «Eu adoro futebol e jogo bastante com amigos. É um desporto muito exigente, é muito bom para treinar, enquanto não estou a surfar. Mas nada chegou perto do surf. Foi perfeito», continua, a tentar explicar essa paixão. «O mar era o sítio onde me sentia mais livre. Dentro de água, mesmo se estivermos sozinhos, nunca estamos exatamente sozinhos. Há uma paz.»

Para quem faz competição, essa liberdade e tranquilidade são limitadas. «Estamos sempre a pensar no que temos de melhorar, a ver qual é a boa que vem.’ Os surfistas de fim de semana têm muito mais oportunidade de ter essa paz de espírito.»

Mas para ela sempre fez sentido a competição. «Eu sempre fui bastante competitiva. E tinha a impressão, desde criança, que faria alguma coisa relacionada com o desporto. Sempre achei que tinha de fazer alguma coisa com a minha vida que tivesse algum impacto. Não conseguia ver-me a ter aquele trabalho das 9 às 5.»

A falta de dinheiro, o crowdfunding e a solidariedade que a salvou

Então, dedicou-se ao surf. Mas não foi fácil. «Eu sabia que tinha de vir para Sines, mas também não podia sair da escola. Nos dois últimos anos do secundário, eu estava durante a semana na escola, sexta-feira à tarde vinha no autocarro para Sines, passava o fim de semana aqui e no domingo à tarde voltava para baixo. Fiz isto todo o ano letivo e era bastante cansativo.»

Além disso o surf de competição exigia dinheiro, que ela não tinha. Yolanda já contou que chegou a passar dificuldades, até para comer. «Os meus pais separaram-se e não tínhamos muito dinheiro. Não conseguia fazer viagens nenhumas. O dinheiro que eu fazia era quase todo de prize money que ganhava em campeonatos, o que acabava por trazer muita tensão. Durante o campeonato, eu estava sempre a pensar: ‘Tenho de passar esta ronda. A próxima tem mais 500 euros ou mais 1000 euros e dá para ir ao próximo campeonato.’ Era muito difícil controlar a cabeça para estar no momento em vez de pensar como é que eu ia chegar ao próximo patamar, como é que ia chegar ao campeonato do outro lado do mundo.»

Salvou-a a solidariedade. De muita gente que percebeu as suas dificuldades e se dispôs a ajudar. Antes de mais, o seu treinador. «No início ele e a mulher ajudaram-me muito, deixavam-me ficar em casa deles por quase nada. Depois vim a conhecer pessoas aqui, porque eles têm um Surf Camp em Sines. Uma cliente pagou a minha viagem e do meu treinador para a Califórnia, para fazer as qualificações. Foi uma das primeiras vezes que fui para fora da Europa e mudou o meu nome. Comecei a ter representação internacional e isso mudou tudo.»

Não ficou por aí. Houve até gente a mobilizar-se num crowdfunding para angariar dinheiro. «Juntaram à volta de 7500 euros, uma coisa assim. Foram muitas pessoas diversas de todos os lados que acreditaram em mim e isso deu-me uma ajuda incrível. Só consegui continuar a fazer isto com a ajuda dessas pessoas.»

Quinto lugar de Tóquio foi… «uma desilusão»

Yolanda foi somando resultados. Em 2021 foi vice-campeã do mundo, o que lhe valeu a qualificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Esse foi também o ponto de viragem para a sua autonomia financeira. «Só comecei a ter mesmo patrocínios que ajudassem a sustentar o meu modo de vida depois de me qualificar para os Olímpicos pela primeira vez.»

No Japão, terminou no quinto lugar. Para ela, não foi suficiente. «Eu não vou para nenhum campeonato a pensar que não vou ganhar. Na minha cabeça vou ganhar todos. Sou um bocadinho, como se se diz em inglês, overachiever. Eu acredito mesmo nas minhas qualidades e tenho quase certeza que pertenço ao top tier mundial. Por isso para mim o quinto lugar por acaso foi um bocado desilusão. Eu estava à espera da medalha de ouro», ri-se.

«Eu e o meu treinador falamos muito nisto. Não vou inscrever-me para um campeonato que eu penso que não vou ganhar. Gosto de desafios e sei que tenho em mim o suficiente para superar esses desafios. E gosto sempre de dar o meu máximo a tentar. Às vezes não corre bem, mas eu prefiro sempre apontar para cima. Na minha cabeça, eu sou a melhor do mundo. Depois é só controlar e direcionar essa confiança.»

A perda do pai e a memória que guarda para a vida

Mas, visto de fora, teve um resultado notável em Tóquio. E desses dias guarda uma recordação para sempre. A felicidade do seu pai, que viria a falecer meses depois. O pai que, de início, nem estava muito convencido com a opção dela. «Não era grande fã. Acho que também por nunca ter ouvido falar de alguém que tivesse feito carreira neste desporto e tivesse uma vida confortável. Quando comecei a ganhar campeonatos nacionais ele começou a ver pelos meus olhos e começou a acreditar no que eu queria fazer.»

«Depois de eu fazer o quinto lugar nos Olímpicos e receber o diploma, foi mesmo um pai babado. Ele tinha um café em Olhão, eu fui lá e ele dizia a toda a gente: ‘Esta é a minha filha, é olímpica.’» Foi a última vez que estiveram juntos. «Infelizmente, o meu pai morreu meses depois. Mas pelo menos tenho esse momento para levar comigo para o resto da vida.»

«Ele ficou com concretizado e sei que estava muito orgulhoso de mim.» Yolanda continua a falar sobre essa perda. «Quando aconteceu, eu estava no Hawai, à espera de competir. Estava bastante perto da qualificação para o campeonato mundial. Recebi as notícias antes de ir para a praia e foi muito difícil. Precisava de passar três heats. Consegui passar dois e no terceiro já foi demasiado. Hoje em dia já estou bastante confortável a falar sobre isto, mas acho que só a partir do final do ano passado e do início deste ano é que comecei a dar a volta.»

«Muitas vezes chegamos a um nível que somos todos bons, temos todos qualidade, mas depois a diferença entre os atletas acaba por estar muito na cabeça, quem é que consegue lidar com a pressão e tomar as decisões certas em campeonatos. E momentos como esses afetam-nos, transtornam muito o nosso mundo.»

Yolanda olha em frente. Com estratégias para se focar na competição. «Antes de cada campeonato sento-me na praia e faço uma respiração específica. Para me acalmar, libertar as energias más e estar completamente acertada com o mar.»

No ano passado, ela conseguiu outro dos resultados mais marcantes da sua carreira. Com mais significado por ter acontecido na etapa portuguesa do WCT, em Peniche. «Fiquei em quinto lugar e venci a campeã do mundo em título nesse campeonato. Esse momento tem um espaço mesmo especial no meu coração.»

A «onda mais perigosa», os tubos e «a melhor sensação do mundo»

Agora, segue-se o Tahiti. Teahupoo é um local mítico para o surf, uma onda que quebra sobre um recife, conhecida pelos seus tubos perfeitos. É um tesouro para os locais e a realização do torneio olímpico já motivou alguma polémica, por causa da construção de uma torre para os juízes em alumínio no meio do recife. Os locais temeram que a estrutura pudesse danificar o ecossistema e adulterar a própria onda. Houve uma petição para impedir que fosse construída, mas ela acabou por avançar, procurando impacto mínimo.

«Já havia uma torre de juízes, bastante antiga. Nunca meteram mais nada ali por causa da probabilidade de arruinar o reef e mudar a onda. Houve uma grande polémica, mas acho que acabou por não afetar muito e a onda está igual», observa Yolanda.

Ela nunca lá esteve e vai agora numa viagem de reconhecimento ao local onde competirá nos Jogos Olímpicos. «Vou estar lá uma semana para perceber a onda, porque é uma onda muito específica. E bastante perigosa. É uma das ondas mais perigosas do mundo», nota. «O recife tem muito pouca água, é muito raso.»

O risco envolve muitos cuidados com a segurança e isso está acautelado, continua. «Eles têm muita segurança, quase tanto como na Nazaré. Têm equipas salva-vidas, com vários jet skys. Têm muito treino em salvar pessoas. Se alguém cai na onda e fica mesmo na parte muito rasa, sabem como agir em segundos e salvar o atleta muito rapidamente.»

«Quero a medalha de ouro»

O risco não assusta Yolanda. Que gosta mesmo daquele tipo de onda. «Fazer um tubo é a melhor sensação do mundo», diz. «É um risco, mas acabas por aprender muito mais do que se for tudo assim, confortável. Eu acho que tem de se estar confortável com o desconfortável. Estar sempre a puxar limites. Quando nos metemos no tubo o coração começa a bater muito rápido. E depois estar lá dentro é o melhor sentimento do mundo. Por isso, depois se eu cair não faz mal. Estar lá dentro é gosto suficiente.»

Ela teve um bom professor. «Quando o meu treinador competia chamavam-lhe Johnny PigDog. Pig Dog é uma posição no surf, é quando estamos com as costas para a onda e estamos dentro do tubo e a agarrar a prancha. Se ele não me ensinasse como fazer isso, era um bocado mau», ri-se: «Desde que comecei a treinar com ele, ele ensinou-me muito isso e eu fiquei logo com o gosto.»

Portanto, ela eleva a fasquia para os Jogos Olímpicos deste verão. «Quero a medalha de ouro. Definitivamente. Já queria em Tóquio e agora ainda quero mais porque a onda encaixa perfeitamente comigo», assume, com um último sorriso. «Quero trazer o ouro para Portugal e depois talvez inventar mais uma coisa para meter na tatuagem.»