Gabriel Albuquerque era uma criança hiperativa e fazia muito desporto para gastar energias. Aprendeu desde os quatro anos a concentrá-las nos trampolins. Agora voa alto e quer chegar ao topo. O ginasta que ganhou a única quota portuguesa na muito dura qualificação para a competição de trampolins em Paris 2024 aponta a uma medalha, mas sabe que tudo depende do que acontece nos escassos segundos que vão do salto ao regresso ao chão. Por agora, aquele que é o mais jovem atleta da comitiva portuguesa – estatuto que deverá manter, mesmo com várias modalidades por definir -, vai-se preparando, ainda a tentar absorver tudo o que está a viver.

Antes de mais, o facto de estar nos Jogos Olímpicos. «Acho que só vai cair a ficha mesmo no dia em que eu aterrar em Paris e vir a aldeia olímpica, se calhar», diz ao Maisfutebol, num momento de pausa depois de mais uma semana de treinos.

Desporto para gastar energias: «Se não ao fim do dia não adormecia»

Gabriel Albuquerque tem 18 anos, feitos em abril. Os trampolins fazem parte da vida dele desde os quatro anos. E apareceram depois de vários outros desportos, que os pais procuravam, também, para cansar o miúdo que não parava quieto. «Se não ao fim do dia não adormecia», ri-se. «Sempre fui uma criança hiperativa e sempre fiz muitos desportos. Fiz natação, judo, surf, entre muitas outras.»

Até que um dia descobriu os trampolins. «Fomos a uma feira no Seixal onde havia muitas modalidades. Equitação, muitas coisas. Mas o que me chamou logo a atenção foi o trampolim. Vi os miúdos a saltarem no trampolim e disse: ‘Tenho de experimentar isto’. E gostei muito»

Ficou fascinado com a sensação de voo e de liberdade. E quem o viu saltar também detetou algo especial. «A treinadora que estava lá falou com os meus pais e disse: «Têm de meter o miúdo na ginástica. Nós treinamos em tal sítio, apareçam na segunda-feira. E pronto, começou aí.»

Desde então são o centro da sua vida. Também o ajudaram a concentrar energias. Não por completo, sorri. «De certa forma os trampolins ajudaram a focar-me um bocadinho mais. Mas toda a gente continua a dizer que eu estou igual. Ainda sou bastante distraído e hiperativo.»

De Almada para Loulé, a mudança de vida por causa dos trampolins

Começou muito novo a ter resultados. «Ali a partir dos 11, 12 anos, da idade em que se começa a ir a provas internacionais, ia sempre às finais, ou então conseguia uma medalha.»

Por causa dos trampolins, mudou a vida dele e a da família, também por essa altura. De Almada para o Algarve, para continuar a trabalhar com o treinador João Monteiro. «O meu treinador recebeu uma proposta para ir treinar no Algarve. Ele perguntou-nos se queríamos ir. Eu tinha onze anos, falámos sobre isso, eu e a minha mãe, e acabámos por ir.» A mãe tem uma profissão que lhe permite trabalhar à distância e acompanhou-o na mudança. «Ela trabalha em tradução e trabalha em casa. Se tivesse de ir ao escritório todos os dias era difícil e provavelmente não estávamos aqui.»

Gabriel admite que lhe custou deixar a vida que conhecia. Mas agora já se sente em casa no Algarve. «Naquela idade era difícil, porque tinha os meus amigos, a escola, os amigos dos trampolins. Foi um bocado difícil no início, mas depois acabámos por nos adaptar bem. E agora até prefiro estar cá do que lá.»

Não gosta de «marrar» e escreve «umas coisas» em forma de música

Para lá dos trampolins, continua a estudar. Tem sido difícil conciliar até porque, reconhece, não se dedica assim tanto à escola. «Estou a acabar agora o 12º ano em desporto. Nunca gostei de estudar, nunca foi o meu forte. Mas vou tendo as notas necessárias para ir passando. Nunca consegui mais do que isso. Ainda mais agora neste processo intenso e longo de qualificação, foi um bocado difícil concentrar-me mais na escola. Mas estou a conseguir safar-me bem, acho.»

Para mais tarde fica a decisão sobre o que fará depois de terminar o secundário, entre várias hipóteses e a dúvida se estará preparado para «marrar» muito. «Estou um bocadinho dividido. Estou a pensar em psicologia, gostava muito de entender certas coisas da psicologia, mas também gosto de ciências da comunicação. E fisioterapia também, mas é preciso marrar muito, então não sei se vou estar muito preparado para isso.»

Também gosta de música. E compõe «umas coisas», é assim que ele diz, com um sorriso meio envergonhado quando fala sobre isso. «Gosto de escrever umas coisas, tipo meio poemas meio letras para músicas. É mesmo só um hobby. Quando não tenho nada para fazer, escrevo uma música e meto um som, meto um beat. Tenho algumas músicas, mas não são nada de especial.» Um dia, diz, talvez crie um canal para publicar o que faz. «Estou a pensar nisso. Daqui a uns tempos, se calhar.»

A música também o ajuda a concentrar antes da competição. «Eu não tenho grande ritual. Eu digo que o meu ritual é não ter grande ritual. Simplesmente fico com os meus fones nos ouvidos e tento distrair-me, abstrair de tudo o que está ao redor e concentrar-me no que estou a fazer. E a música sempre me acalmou muito.»

Foi como atleta da Associação de Pais e Amigos da Ginástica de Loulé (APAGL) que Gabriel chegou à elite dos trampolins, uma modalidade onde Portugal tem conseguido excelentes resultados internacionais. Num desporto que entrou no programa olímpico em 2000, houve representação nacional nas últimas cinco edições dos Jogos, sendo a melhor participação o sexto lugar de Nuno Merino em Atenas 2004.

«Se tivéssemos condições como outros, aí é que ninguém nos parava»

Mas a seleção para os Jogos é muito apertada. Na competição olímpica de trampolim individual só entram 16 ginastas, sendo que apenas um máximo de três países consegue levar mais do que um. «O processo de apuramento para os Jogos foi intenso», desabafa Gabriel. A única quota portuguesa foi garantida com a presença de Gabriel Albuquerque e Pedro Ferreira na final do Mundial do ano passado. Gabriel terminou o Mundial no quarto lugar, a melhor classificação portuguesa, e foi ele o eleito para estar em Paris depois de ter sido também o melhor ginasta nacional na Taça do Mundo em março passado, terminando no sexto lugar.

Já depois disso, Portugal acolheu os Europeus de trampolins em Guimarães, onde conquistou nada menos que 11 medalhas, incluindo o ouro de Pedro Ferreira no trampolim individual. «Temos mesmo uma seleção muito forte», observa Gabriel Albuquerque. «O problema é mesmo só haver uma vaga por país. Para obter a segunda vaga é bastante complicado. Então, dois vão ficar sempre de fora. Ou três, se não obtivermos a segunda vaga.»

Portugal bate-se com os melhores mesmo não fazendo, diz, a mesma aposta de países como a China ou o Japão. Uma aposta intensa no treino e numa estrutura que garante dedicação plena, conta o ginasta português. «É o treino que os faz muito mais fortes. Eu já falei com alguns deles e eles disseram que treinam num centro de alto rendimento onde estão sempre. Enquanto nós treinamos duas horas por dia eles treinam seis horas e não só no trampolim. Com fisioterapeuta, preparador físico e tudo o que envolve o treino. Ainda não conseguimos estar à altura das condições deles. Dá para ver a qualidade da nossa equipa pelo que fazemos mesmo sem as mesmas condições de outros. Se as tivéssemos, aí é que ninguém nos parava.»

«Não temos 80 nem 90 minutos para errar»

Apesar disso, o ginasta português acredita, nesta reta final de preparação para os Jogos Olímpicos, que tem capacidade e nível competitivo para lutar com os melhores. «Se todos estivermos ao nosso melhor, acho que sim.» Mas este, nota, é um desporto em que tudo se joga em poucos segundos, em que qualquer detalhe ou falha durante o esquema pode fazer a diferença.

«Depende muito do momento. Aquilo são 20 segundos. Não temos 80 minutos nem 90 minutos para fazer, para errar e depois para voltar a fazer. Se errares já passou e só tens mais doze segundos para conseguires fazer mais alguma coisa. São milésimos de segundo em que nós estamos 100 por cento concentrados no que estamos a fazer. Basta estar um bocadinho mais desconcentrado, que tudo pode correr mal. Esse é o problema dos trampolins. São 20 segundos e quem fizer, fez.»

O sonho olímpico de criança, um suspiro e as expectativas para Paris

É por ter essa consciência que Gabriel modera as suas próprias expectativas. Quando fala dos objetivos para Paris, não consegue evitar um suspiro. Ele quer uma medalha, mas sabe que tem de pensar salto a salto. «Acho que tenho de ir por fases, não vou estar aqui a dizer que quero o ouro. Tenho a ambição de ser campeão olímpico, claro. Mas vou para lá com o objetivo de desfrutar os momentos que passo lá e desfrutar da minha prova, sentir que estou a fazer um bom trabalho como atleta representante de Portugal. Se vier uma medalha ainda melhor. Mas primeiro é tentar passar à final, depois logo se vê.»

Para já, vai concretizar um sonho de criança. «Ir aos Jogos Olímpicos sempre foi um sonho meu. Desde pequenino mesmo, eu com sete anos já dizia que queria ir aos Jogos Olímpicos. Eu tenho ambições muito fortes e os Jogos Olímpicos são o topo, são o último patamar do desporto.»

Gabriel ainda não falou com outros atletas sobre a experiência de viver uns Jogos Olímpicos. Também não tem a certeza se será mesmo o mais novo da comitiva portuguesa. «Não sei, mas penso que sim. Eu apurei-me com 17 anos, não deve haver ninguém mais novo do que eu.» Mas não tem dúvidas de que vai ser especial. «Espero estar num ambiente engraçado. O espírito de Portugal é sempre muito elogiado pelas outras delegações. Acho que vamos estar fortes e felizes lá, é o que interessa.»