Não somos todos nós adeptos do talento, mais que não seja quando não estamos ocupados com outras dissertações?

Sempre que não andamos a discutir penáltis, foras-de-jogo, duplos-amarelos, ou a cuspir vernáculo para cima de amigos, velhos conhecidos ou destinatários de circunstância em conversas atravessadas, diria que somos fãs, apaixonados pelo talento. Assoberbados, mesmo.

Mais. Ficamos loucos com o vislumbrar de uma chama, mesmo que pequena, quando nos recusamos a pestanejar por uns micro-segundos. Acredito que, em 24 horas non stop que passemos a discutir futebol, uma boa e preenchida meia-hora servirá para testarmos a resistência das costas da cadeira com a nosso próprio lombo, extasiados, de braços estendidos, com uma jogada fantástica ou um golo-do-século-wanna-be. Vamos fingir – humor me, please! – que neste XXI teremos um melhor do que o do anterior, o tal de Diego, a passe de Enrique. Ou mesmo que o míssil que insultou todas as mães deste mundo e do outro, lançado por Carlos Alberto, ordenado por Pelé, e sustentado por um pedaço de relva que o levantou na hora certa.

Meia-hora será pouco, dizem-me vocês. Mas é a média. Não a minha, mas a de todos nós. Uns 30 minutinhos arredondados, se a matemática não me falha.

Valorizo muito o talento. Mesmo se, por apanhar realidades paralelas que se cruzem e descruzem à sua frente, o portador não venha a dar no que promete. Se isso acontecer, e não é caso raro, a vossa conclusão será fácil. Irão renegar tudo, até o que viram com os próprios olhos que a terra há-de comer. 

Têm até um rótulo. Chamam-lhe flop.

A minha, mais difícil. Muito mais.  

Não há talento que se cuide sem inteligência. Literalmente. Não há como preservá-lo sem uns quantos neurónios a comunicar entre si, ou no, no cúmulo dos mínimos, com alguma dose de esperteza, que, como se fartaram de repetir as nossas mãezinhas, não é nada a mesma coisa. A inteligência ou a esperteza, com umas pitadas de sorte, revelará o talento nessa câmara-escura que é uma carreira no futebol.

É isso que me leva ao título desta crónica.

Francisco, o Chico, tem tudo o que é preciso para que daqui por uns anos olhemos para trás com um sonoro

Eu avisei!

Sublinha-o dentro e fora do campo. Por culpa alheia e nos tempos mais recentes, mais vezes fora do que dentro. Se toca a bola com classe, se descobre espaços onde os outros só vêem cerradas florestas de canelas, é sem chuteiras que se lhe reconhecem a humildade e, sobretudo, uma forma de pensar que terá já desbravado parte do caminho.

É difícil que além da forma, das manifestações de talento, não sejamos também adeptos do conteúdo. Da maneira como olha para o jogo, que, concordemos ou não com as ideias, o preenche como a poucos.

Faltar-lhe-á sorte. Um bom bocado. A felicidade, o karma, o destino. Chamem-lhe o que quiserem, até factor-aleatório, se preferirem. É tudo aquilo que ninguém domina sobre si. É impossível saber a conta certa, e o tempo certo, por isso não é uma ciência exacta. A bola nunca será pura matemática, mesmo que invadida por estatísticas e mapas de calor.

Numa nova versão da famosa história que Valdano conta de Cruijff, em que ambos correm para a porta de saída para provar uma superioridade quase infantil, também Francisco Geraldes, como o holandês, ganharia a corrida e diria, de peito-feito:

Esta abre para dentro...

Valorizo-lhe o talento, e a inteligência, quase antes de se manifestarem na sua plenitude. É um risco. Numa internet em que nada se apaga, corro-o de bom grado. Seja ou não aleatória, Geraldes já fez por merecer a sorte. Estejam os deuses do jogo atentos! 

--

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.