Aquele abraço. O Cristo Rei não viu, o tempo não deixou, mas sentiu aquele abraço do Restelo à equipa, tão grande em conforto como o da figura de Jesus a Lisboa.

O Belenenses regressou à Liga.

O Tejo, vizinho de sempre, vai voltar a ver futebol de primeira. O Atlético, bom vizinho como nunca, deu uma ajuda. Mas é da festa que se fala. E essa foi feita à chuva.

Os ecos de «Belém, Belém, Belém» ainda se ouvem, desde o Restelo ao Pragal, do lado de lá, do Tejo ao Bugio, onde água que era doce é já salgada.

O Belenenses perdeu em Penafiel e teve de aguardar pelo desfecho de outros jogos. Ironia das ironias, o rival Atlético acabou por vencer o Santa Clara e colocar os da Cruz de Cristo na Liga. Em Alcântara não terão aberto garrafas de champanhe, mas em Penafiel elas saíram do frio e chegaram à imagem confortável de quem estava em Lisboa a ver pelo televisor.

Quase um dia inteiro passou entre o final no «25 de abril», o apito final na Tapadinha e a chegada da equipa de Van der Gaag ao estádio com janela para o Tejo, pouco passava das 23 horas. O Belenenses esteve três anos no segundo escalão, a ansiedade era tanta por celebrar o feito que o treinador holandês, depois de ser voador nos braços dos futebolistas, teve de interromper discurso.

O miúdo sereno, de olhos claros e cores do Benfica

«No início não foi fácil acreditar nesta equipa. Se calhar ninguém conhecia estes jogadores, esta equipa técnica, se calhar ninguém conhecia este treinador principal...». Os cânticos de «Belém» começavam a propagar-se. Pelo Maracanãzinho até ao sintético.

Van der Gaag pedia para falar, mas só o seu nome do treinador nas bocas das centenas de adeptos que estiveram no estádio. «Mitchel van der Gaag, tra la la la la»...

A chuva não dava tréguas, mas quem pulava no relvado ao lado do holandês respirava um pouco. «Era a terceira vez que se jogava na II Liga. Nenhum treinador trabalha sem equipa, este plantel foi sensacional. Aquela malta, os jovens e velhotes desta equipa, fizeram uma grande época, devolveram o Belenenses à Liga.»

As câmaras de tv puxavam Van der Gaag para diretos e outras entrevistas. Os jogadores eram incansáveis nas danças, nos abraços. Na bancada dançava-se. E um miúdo, vestido com fato de treino do Benfica, de cabelo loiro e olhos claros, não queria perder um momento que fosse no relvado. Calmo, a observar, com cores que o diferenciavam. Mas tal como Belenenses recebeu um abraço caloroso dos adeptos, também Jordan recebeu carícia igual do pai Mitchell. E uma camisola azul para vestir.

Outros Xutos, outros Pontapés

Enfim, noite de festa, de se estar próximo do que se ama. Por isso os adeptos levavam os lábios ao peito, onde tinham uma Cruz em camisola azul Os jogadores seguiram para um jantar reconfortante, depois de uma viagem longa e de muita chuva. Seguiram para um banho quente também, porque muitos deles ainda vinham com calções de jogo. E alcançada a subida, nova promessa: «Vamos fazer tudo para ir ao Jamor.» Van der Gaag já trouxe o Belenenses de regresso à Liga e acredita em milagres no futebol.

Quanto a tudo o resto, é como dizem outros Xutos, outros Pontapés, que também têm passado glorioso no Restelo: «Longa se torna a espera, na névoa que cobre o rio». Mude-se o tempo verbal. A espera acabou. A I Liga abraça o «Belém».