O Benfica defrontou seis vezes na sua história o Bayern Munique e nunca venceu. Na Alemanha, mesmo marcando em todos os jogos, perdeu sempre e de forma expressiva. Este é o peso histórico que a equipa de Rui Vitória leva para Munique. Leva? A dúvida é precisamente essa: é que a história de pouco vale no futebol e os homens que tiveram ação direta nas três noites para esquecer veem motivos para acreditar num final diferente à quarta tentativa. É possível virar a história do avesso.

Em três décadas distintas o Benfica entrou em Munique a sonhar e saiu vergado. Primeiro em 1976, depois em 1981 e por fim em 1995. Todos com histórias e condicionalismos diferentes que ajudam a enquadrar melhor o filme.

Na antecâmara do regresso à capital da Baviera, agora no Allianz Arena (todos os outros jogos foram no Estádio Olímpico), onde já Sporting e FC Porto foram também goleados, o Maisfutebol conversou com os protagonistas de pelejas antigas.

1976: com tanto condicionante, 5-1 «nem foi mau»…

Em primeiro lugar Toni. Era ele o capitão do Benfica de Mário Wilson que enfrentou o Bayern Munique, também nos quartos de final da Taça dos Campeões. Na altura o jogo fora foi na segunda mão e na Luz tinha-se registado um empate a zero.

Daí que, quando atende o telefone, o ex-jogador sublinhe que «nem correu nada mal», falando de um 5-1 em Munique. E explica: «É preciso enquadrar o resultado. Primeiro, aquele Bayern era a base da seleção da Alemanha, campeã do mundo em 74. Estávamos a jogar com uma defesa de recurso, com o Artur Correia, Messias, Barros e Bastos Lopes. Aos 25 minutos o Vítor Martins lesiona-se e entra o Moinhos. Fiquei a jogar no meio campo com o Shéu e o resto eram homens para a frente. Moinhos, Nené, Vítor Batista e Jordão.»

A acrescentar a isto, Toni lembra que ao intervalo o jogo ainda estava empatado a zero. «Se fizermos as contas, numa eliminatória em quatro partes conseguimos equilibrar em três», sublinha.

O ex-jogador e treinador do Benfica lembra ainda que houve outros percalços. «Antes do primeiro golo deles, aí aos 50 minutos, nós marcamos mas o árbitro anulou aquele que foi um golo limpo. Assinalaram fora de jogo. Era um turco, chamava-se Ok, nunca mais me esqueci», comenta.

Toni acredita num filme diferente de 1976

O Bayern tinha homens como Sepp Maier, Franz Beckenbauer, Uli Hoeness, Karl-Heinz Rummenigge ou Gerd Muller. O «bombardeiro» bisou, fazendo os últimos dois golos. Antes tinham marcado Durnberger, também por duas vezes, e Rummenigge.

O golo do Benfica foi de Nené. Ele que é a ponte perfeita para o jogo de 1981.

Onze do Benfica: José Henrique, Barros, Bastos Lopes, Messias, Artur Correia, Vítor Martins (Moinhos, 25), Toni, Shéu, Jordão, Vítor Batista e Nené (Nelinho, 83)

1981: a estratégia de Baróti estilhaçada por Dieter Hoeness

Cinco anos depois, na segunda ronda da Taça dos Campeões Europeus, o Benfica voltou a encontrar o Bayern Munique. Novamente a primeira mão jogou-se na Luz e mais uma vez o encontro terminou sem golos e tudo teria de ser decidido na Alemanha.

Aí, contudo, a esperança durou menos tempo. Ao intervalo já os alemães ganhavam 2-0 e tudo se saldou em nova derrota pesada, agora por 4-1. Novamente Nené a marcar, na tal ponte para o jogo de 1981.

Em campo estava José Luís que recorda o filme ao Maisfutebol: «Lembro-me que o nosso treinador, o Lajos Baróti, nos pediu para darmos a iniciativa ao Bayern. Eles jogavam em casa e eram favoritos. Tinham uma grande equipa.»

José Luís usa, de resto, a mesma frase de Toni para falar do Bayern de cinco anos antes: «Era a base da seleção da Alemanha».

«A nossa ideia para aquele jogo foi jogar recuados e explorar o espaço que haveria nas costas da defesa deles. Só que o Bayern não nos deu hipótese, foi letal com a bola. O [Dieter] Hoeness marcou-nos três golos. Não esperávamos aquilo. Ficou impossível dar a volta», lamenta.

Curiosamente, o treinador daquele Bayern Munique era Pál Csernai que, em 1984, viria a treinar o Benfica onde ainda encontrou José Luís. «Veio com um grande currículo, foi campeão cinco vezes na Alemanha e foi a escolha para substituir o Ericksson. Mas teve alguns problemas com o grupo de jogadores. Não conseguiu integrar-se bem», analisa o ex-benfiquista.

Onze do Benfica: Bento, Veloso, Bastos Lopes, Frederico, Álvaro Magalhães, Shéu, José Luís (César, 82), Jorge Gomes, Folha (Reinaldo, 77) e Nené.

1995: a noite do «Kataklinsmann»

Klinsmann em ação no jogo da Luz

O telefone toca em Marrocos para recordar o último jogo do Benfica no reduto do Bayern Munique. Atende Hassan Nader, avançado que foi titular nesse jogo, numa altura em que os encarnados, tal como em 1981, eram treinados por Mário Wilson.

«Foram os três golos do Klinsmann, não é?», atira logo Hassan. Corrigimos: foram quatro. «Isso, isso. Enfim, também não estamos a falar de um jogador qualquer, mas de um dos melhores. Foi uma noite de inspiração dele que acabou com o sonho», continua.

Na verdade foram até duas noites. Na Luz, na segunda mão, o Bayern soma mais um triunfo. Aos 4-1 da Baviera acrescenta 1-3 em Lisboa e segue em frente rumo aos quartos de final da Taça UEFA, que haveria de vencer.

É, de resto, um dado histórico que anima os alemães: sempre que encontram o Benfica numa prova europeia, chegam à final. Apenas na época 1981/82 não venceram a competição, perdendo o jogo decisivo para o Aston Villa.

Hassan lembra que a derrota pesada de Munique deixou marcas. Sobretudo essa, que ficou conhecida em Portugal como a noite do «Kataklinsmann».

«Ficamos todos muito tristes. Feitas as contas ficou 7-1. É verdade que não foi contra um adversário fácil, mas aquela não era a diferença real entre as duas equipas. Os adeptos não aceitaram e é normal que assim seja. Nós fomos os primeiros a achar inaceitável. Uma coisa assim acontece uma vez em trinta ou quarenta anos», considera Hassan.

Onze do Benfica: Preud’homme, Marinho (Edgar, 56), Hélder, Paulo Pereira, Dimas, Paulo Bento, Calado, Valdo, Kenedy (Marcelo, 75), Hassan e João Vieira Pinto.

«Ribery não conhece o Benfica, nem Eusébio ou Rui Costa»

Sobre o jogo desta terça-feira, a opinião é unânime: será difícil ao Benfica conseguir um bom resultado, mas não impossível.

«Espero que agora seja bem mais equilibrado que o nosso (risos)», comenta Toni. E acrescenta: «O Benfica atravessa um bom momento. Vamos esperar que consiga equilibrar. Havia duas equipas que não queria que saíssem no sorteio. Era o Bayern e o Barcelona. Não foi possível, é esperar que, tal como todas as equipas, eles também tenham uma noite menos boa. Se assim for podem ser contrariados.»

José Luís é da mesma opinião, ainda que ache que esta equipa do Bayern é ainda superior à que enfrentou no início da década de 80: «São ciclos diferentes. Antes era o braço forte da seleção da Alemanha, agora é uma seleção do mundo. Mas o Benfica está forte e tem capacidade para eliminar este grande Bayern.»

A ideia é apoiada por Toni. «Não se pode comparar com o meu tempo. Hoje, a equipa do Bayern é um misto de culturas. Tem muitos mais estrangeiros. Um Lewandowski, por exemplo. Mas também os bons alemães, como o Muller. Já agora se me souberem dizer qual é a posição dele…», atira entre risos.

Hassan partilha a ideia de que este Bayern é o mais forte que o Benfica já enfrentou. Mas arrisca apontar pontos fracos: «Defensivamente é mais desequilibrado e é por aí que o Benfica pode aproveitar, porque tem vindo a crescer muito como equipa, desde o tempo do Jorge Jesus. Não é para qualquer equipa chegar aos quartos de final.»

Benfica a adaptar-se ao Allianz Arena

E completa dizendo que uma eventual sobranceria pode sair cara aos alemães. «Não gosto da conversa de alguns jogadores do Bayern. Vi umas declarações do Ribéry que não gostei. Desrespeitou o Benfica. Acho que ele não conhece o Benfica. Não conhece o Eusébio, nem o Rui Costa ou o Diamantino. Para falar como falou, quase como se já estivesse ganho, não conhece o Benfica e não sabe que é um dos maiores clubes europeus», acusa.

«O Bayern é mais forte, é mais poderoso, mas tem de dar valor ao Benfica porque as coisas podem não correr-lhes bem», remata o marroquino.