Escrevia no Twitter no dia 26 de Junho de 2016: “Decorem este nome: Daniel Bragança #JuvenisSCP #FormaçãoSCP”.

Quase oito anos mais tarde, o MaisFutebol ofereceu-me a oportunidade de entrevistar o próprio. Depois de já ter sido campeão nacional com Ruben Amorim por duas vezes, depois de já ter sofrido uma lesão que o afastou dos relvados durante um ano. Aos 24, Bragança continua a dispensar primeiras páginas de jornais, porque diz que é no campo que faz com que as pessoas acreditem no seu futebol. 

Conversámos sobre a regada noite no Marquês, o inevitável Viktor, a evolução das suas missões dentro de campo, a sorte de não ter acabado a carreira a lateral-esquerdo, os ajustes com Ruben Amorim e as dúvidas que teve sobre se, um dia, iria voltar a correr. Ainda houve tempo para elogiar João Neves e Vitinha. 

Maisfutebol: Agora, estava a olhar aí para a tua cicatriz. Não me recordo de, na tua carreira, teres tido uma lesão. Nem tão grave, nem menos grave. Não me recordo. Houve algum ponto positivo? 

Daniel Bragança: Houve. Houve muitos. Graças a Deus, nunca fui um jogador propício a lesões. Não sou. Isto foi um azar que tive, que me apanhou este joelho. Ainda tenho as cicatrizes bem visíveis. Isto teve mesmo muitos aspetos positivos, principalmente psicológicos, porque isto foi muito duro. Muito duro. Passas por muitas incertezas, muitas inseguranças. A tua perna fica completamente sem músculo, porque é uma intervenção muito grande. Tive de parar de fazer ginásio durante muito tempo. Paras de ter estímulo, a perna emagrece. Tive dúvidas sobre se iria conseguir voltar a correr da mesma forma. Tinha a insegurança de não voltar a correr da mesma forma, de não voltar a pisar o campo da mesma forma, de não ter a minha base bem estruturada para desenvolver o meu jogo. Antes de pensar se ia conseguir voltar, pensava: ‘Será que vou conseguir voltar a correr?’. A forma como vi a minha perna, as coisas que passei... Tinha dúvidas. Se ia ter o conforto de pousar a perna, de saltar, se não me ia doer, se... Passei tantas inseguranças e tantas incertezas. Foi bastante duro e foi isso que me fez crescer psicologicamente. Claro que também aproveitei para crescer ao nível do músculo. Tornei-me muito mais forte em termos psicológicos, porque passas por coisas de que não estás à espera. Ou consegues ultrapassá-las ou então, se calhar, não conseguia estar aqui, hoje, a ter esta entrevista contigo. 

Passou-te pela cabeça aquele: 'eu já não vou lá'. Mesmo depois de certas exibições, de certos minutos de jogo. 

Passa, independentemente de ter exemplos. Na altura, eles falavam comigo e diziam para não me preocupar. O Seba já teve, o Nuno Santos teve duas. Eles diziam-me: ‘Não te preocupes, maninho, isso vai ao sítio, vais ficar igual. Não te preocupes’. Eu acreditava, mas, ao mesmo tempo, não acreditava. Para já, nunca tinha passado. Não acreditava pelo que via. Era só pelo que via, pelas dores que tinha. Não conseguia fazer ginásio, não conseguia fazer força nesta perna. Foram coisas muito más. Mesmo quando voltei, nesta pré-época, lembro-me de que tive dores horríveis no rotuliano. Na pré-época, passei mesmo muito mal. A única solução era a carga. Tinha de ir para dentro do campo, tinha de jogar e tinha de treinar com dor. Aquilo só passava com a carga e com um novo ritmo, porque é diferente treinar um ano com um fisioterapeuta e treinar com a equipa. Nos primeiros treinos, o ano passado, quando voltei com a equipa, eles pareciam aviões a passar por mim. Fui de férias a pensar nas coisas, sempre com alguma incerteza do que poderia vir. Estive muitos meses a jogar com mazelas, porque, depois, o corpo, até se habituar, protege a perna, inconscientemente. Usas mais a perna esquerda, usas mais as costas, usas mais os abdominais. Andava sempre com mazelas. Andei muitos jogos a ‘toque de comprimido’ para me sentir confortável, porque ou tinha dores nas costas, ou dores nos gémeos, ou dores nos tendões. Houve uma fase em que o Morita se lesionou. Joguei contra o Estrela da Amadora, contra o Raków, na Liga Europa, e, antes, para a Taça da Liga, contra o Farense. Senti ali aquela oportunidade de minutos, mas estava com uma mazela no joelho esquerdo, só que pensei que não podia parar outra vez e tinha de ir. Joguei esses três consecutivos, mas sempre com mazelas. Mais tarde, acabei por parar uma semana, porque eles aconselharam-me a parar, porque podia piorar. Não é fácil, depois de um ano parado, ouvires que tens de parar outra vez. Até tive uma conversa com o mister Amorim, porque o mister Amorim já passou por algumas. Nessa fase ainda tinha incertezas e inseguranças e perguntei-lhe: ‘É normal, depois de um ano parado, voltares e ainda teres tantas dores, o teu corpo ainda se sentir tanto?’. Desaparecia uma, aparecia outra mazela. Nunca consegues estar confortável a jogar, a treinar. Houve ali uma fase da época em que ia para os jogos e estava nos jogos concentrado no jogo e concentrado nas dores. O mister disse que era normal, mas que havia um momento em que ia dar um clique e as dores iam passar. A verdade é que não me lembro quando, mas sei que houve esse clique e, hoje, graças a Deus, o meu corpo já está habituado à carga, ao estímulo e a minha perna já está muito equilibrada. Acho que me consegui tornar ainda melhor jogador. Estou mesmo muito feliz por ter conseguido ultrapassar esta lesão da melhor maneira. Para quem, há um ano, estava com dúvidas se conseguia correr, hoje estou aqui e tornei-me campeão nacional a jogar. Não há melhor recompensa que se possa ter.

Antes de terminar, não posso deixar de te perguntar como é que tens visto a ascensão do João Neves e do Vitinha. 

Começando pelo João Neves, que não conhecia. Surpreendeu-me, o João. A forma como se conseguiu afirmar tão rápido, a personalidade que tem. É um excelente jogador, tanto que já conseguiu chegar à Seleção Nacional, com todo o mérito. Aos 18 anos, já é um excelente jogador. Apresenta uma maturidade em campo fora do comum. Já o Vitinha, a mim, não me surpreende. Acompanhei os primeiros passos do Vitinha na Seleção Sub-21. Ainda ninguém conhecia o Vitinha e o mister Rui Jorge convocou-o. Ele não jogava no FC Porto. Lembro-me de que marcou diferenças desde os primeiros treinos. Por acaso, no estágio, ficámos no mesmo quarto e acabámos por criar uma relação diferente, criar laços. Ele também era mais novo. As nossas personalidades coincidiam e hoje dou-me muito bem com ele. Não me surpreendeu porque vi o quão diferente ele era desde os primeiros treinos. Aquilo que ele apresenta hoje, já apresentava. A partir daí, começou a ser titular do FC Porto e foi sempre a subir.

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